CALVÁRIO

Escutando a História de uma Carvalha

Projecto Escultórico para o Calvário de Beire — Paredes


No meio dos edifícios residenciais do Calvário de Beire encontrava-se uma carvalha centenária. Durante séculos dava sombra e abrigo às pessoas da Quinta dos Condes de Resende e a partir dos anos 50 aos doentes pobres. Nos últimos anos já estava a murchar e devido à obra em curso — unir por estrutura de aço e vidro os edifícios do hospital e gabinetes de saúde e salão de convívio – o seu destino estava traçado. Foi-me pedido para aproveitar o tronco e transformá-lo numa escultura para manter viva a memória da árvore. A minha modelação plástica está baseada nas características específicas deste tronco: da sua forma orgânica, da sua convexidade no jogo das reentrâncias, das suas ramificações, das múltiplas cicatrizes de poda que sofreu. Quis cortar o tronco na sua longitude em três elementos criando três estelas verticais. Depois foram colocadas em círculo, sobre uma espécie de lápide, no lugar original da árvore e assim criarão um espaço interior, um pequeno abrigo. Com a minha intervenção escultórica pretendo colocar-me numa relação, num diálogo com a árvore, como, aliás, já havia escrito o Padre Baptista [Carvalha secular, in O Calvário, pp 194-195]. Para mim a escultura é sempre o resultado de um acto mental e físico, respeitando, porém, a natureza do material, procurando escutar, como um processo, a sua longa historia biológica e social. O meu trabalho é o do cronologista: tirar apontamentos e tornar visível o que está escrito na própria árvore; anotar a sua própria natureza e beleza; mantê-la num estado de permanente ressurreição neste tempo que é o nosso.

Volker Schnüttgen