CALVÁRIO

Ao voltarem, os apóstolos narraram-lhe tudo o que haviam feito. Tomou-os então consigo e retirou-se à parte, em direcção a uma cidade chamada Betsaida. As multidões, porém, percebendo isso, foram atrás dele. E, acolhendo-as, falou-lhes do Reino de Deus e aos necessitados de cura restituiu a saúde. O dia começava a declinar. Aproximaram-se os Doze e disseram-lhe: "Despede a multidão, para que vão aos povoados e campos vizinhos procurar pousada e alimento, pois estamos num lugar deserto". Ele, porém, disse-lhes: "Dai-lhes vós mesmos de comer".

Evangelho de Lucas 9,10-13

Padre José Alfredo. Quem é o Marco? Porque nos procurou?

Marco Pinto Coelho. Sou o Marco Pinto Coelho, nutricionista estagiário 3787. Sou licenciado em ciências da nutrição pela Universidade do Porto, da Universidade Católica Portuguesa - Porto.

Procurei o Calvário com o intuito de realizar o meu estágio profissional de acesso à ordem dos nutricionistas.

A realização deste estágio na área de nutrição comunitária e saúde publica, é obrigatório e necessário para a minha entrada na ordem dos nutricionistas como membro efetivo.

Através da conversa com alguns amigos, tive o conhecimento da Casa e a possibilidade de aqui trabalhar como nutricionista, com o objetivo de melhorar os serviços prestados aos doentes.

Escolhi esta família porque, para além de ser um lugar que presta cuidados de grande importância e relevância para a sociedade, tem um foco humanizador junto das pessoas que aqui residem, com limitações físicas e mentais, e perpetua o trabalho dos fundadores nos seus continuadores que dedicam a sua vida à Obra da Rua. Assim sendo, percebi que o meu conhecimento na área de nutrição e alimentação poderia contribuir imenso para manutenção e aperfeiçoamento do estado de saúde dos doentes, permitindo-me melhorar as minhas aptidões clínicas e acumular simultaneamente a prestação do dever cívico de solidariedade que todos devemos à humanidade.

PJA. Em que âmbito tem incidido a sua intervenção no Calvário?

MPC. A minha intervenção no Calvário tem sido no sentido de coordenar a disponibilidade e hábitos alimentares dos doentes que cá se encontram. Nomeadamente, melhorar a oferta alimentar dirigida às particularidades dos mais idosos, com cuidados nutricionistas mais direcionados para todos. Assim sendo, uma das principais intenções é estabilizar a saúde dos doentes, potenciar a qualidade de vida e contribuir para um espírito saudável.

PJA. Que avaliação faz das necessidades dos nossos doentes?

MPC. Sendo o envelhecimento um processo natural e progressivo caracterizado por modificações física, psicológicas e funcionais que influenciam diretamente o estado de saúde dos utentes.

A nutrição tem aqui um papel importantíssimo, pois permite-nos através da alimentação melhorar o estado de saúde e minorar a deterioração geral dos doentes. Todos estes processos levam ao aumento de défices nutricionais, pelo que, a alimentação nesta etapa da vida é bastante relevante para promover o bom estado físico e psíquico, que grande parte das vezes fica comprometido.

Sem dúvida que os doentes desta família são pessoas com necessidades e cuidados de saúde específicos. Quero com isto dizer que a intervenção de um nutricionista no sentido de melhorar a disponibilidade alimentar trará inúmeros benefícios para o futuro estado de saúde dos doentes.

As necessidades a suprimir estão nas mais variadas áreas, no entanto o que tenho tentado fazer para as satisfazer inicialmente é elaborar ementas equilibradas e ponderadas, com o intuito de dispor de uma maior variedade de alimentos, e dentro destes poder tirar o melhor partido daqueles que nos fornecem uma nutrição adequada. Apostar na formação dos cuidadores e auxiliares no sentido de promover conhecimento no que à nutrição diz respeito, para que sejam tomadas as melhores opções alimentares.

PJA. Um dos pedidos que lhe fizemos foi sugerir novas culturas a introduzimos na nossa horta! Isto é possível? O que que já fazemos está bem orientado e é suficiente?

MPC. A autoprodução é sem sombra de dúvida uma mais valia para o Calvário. Através desta podemos ter produtos hortícolas e criação de carne animal para o autoconsumo e assim, para além de poder ser garantido o consumo de alimentos biológicos e de produção própria, permitimo-nos gerir uma parte significativa do orçamento para alimentação. Através da produção dos géneros alimentícios tem-se conseguido garantir a integração de alguns dos utentes na realização de tarefas que lhe permitem ocupar o seu dia e obter uma aprendizagem contínua que o trabalho de campo gera. Também recebemos doações de espaços comerciais que gerimos de forma racional e partilhada.

Grande parte do trabalho no campo já está na direção correta, o que seria necessário fazer de futuro seria talvez a afinação de uma ou outra produção de géneros alimentícios, tanto animal quanto vegetal. Existe já a produção de carne, de hortícolas e vegetais. Mas o que se pode ainda fazer é quase ilimitado, pois este solo é bastante fértil e é sempre possível o cultivo de maior variedade. Sempre dentro de orientações que possam satisfazer as necessidades alimentares futuras dos doentes do Calvário.

PJA. A Relação com os colaboradores está a ser enriquecedora?

MPC. Sem qualquer tipo de equívoco a relação entre os colegas de trabalho, nomeadamente os auxiliares e cuidadores de saúde, é crucial para um bom ambiente laboral. Quero com isto dizer que tanto os cuidadores como os doentes beneficiam mutuamente.

Tem sido bastante enriquecedor trabalhar com equipas multidisciplinares como é o caso do enfermeiro, médicos, operacionais e auxiliares.

Em relação às relações pessoais tem havido da minha parte um grande esforço no sentido de promoção do diálogo, não só para melhorar o trabalho de equipa, mas também, e mais especificamente na melhoria da confeção e distribuição alimentar, que como sabemos é um ponto crucial para os nossos doentes.

Por isso este trabalho está, de várias formas, a contribuir para o conhecimento dos funcionários no que à alimentação diz respeito. No entanto, o ser humano é naturalmente avesso à mudança, o que por vezes pode não facilitar este tipo de trabalho.

Um dos imperativos que norteia a atividade dum profissional de saúde é pautar a sua atividade por normas e diretrizes, que devem ser implementadas. No caso actual, vamos evoluindo para uma gestão dos cuidados alimentares mais profissional, tendo sempre o cuidado de não comprometer o espírito fundador do Calvário.

PJA. O que leva do Calvário para o futuro?

MPC. Estar na Casa do Calvário é fazer parte desta grande família que nos faz sentir integrados. É reconfortante perceber que o espírito fundador persiste na Casa após tantos anos, o que demonstra que há espaço nas nossas sociedades para obras evangélicas como esta.

Certamente o meu futuro não seria o mesmo se não tivesse experienciado o ambiente humano e fraterno desta Casa. A todos, o meu profundo agradecimento.

Padre José Alfredo