CALVÁRIO

No segundo domingo do tempo pascal, por instituição do Papa João Paulo II, entretanto apresentado como modelo de santidade para toda a Igreja universal, celebrou-se o domingo da divina misericórdia. O papa polaco consagrou, assim, a visão particular de Santa Faustina e o seu modelo de oração privada em resposta ao ressuscitado: EU CONFIO EM VÓS.

Foi a 11 de Abril de 2015, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, que o Papa Francisco entregou a bula Misericordiae Vultus de proclamação do Jubileu da Misericórdia.

No número primeiro diz-se que Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré.

Já o número segundo afirma que precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o acto último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado.

E no número décimo sublinha-se que a arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. Toda a sua ação pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia. A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo.

Foi entre 8 Dezembro de 2015 e 20 de Novembro de 2016 que decorreu o jubileu da misericórdia. Um dos objectivos desse ano santo foi celebrar o aniversário dos 50 anos da conclusão do segundo Concílio do Vaticano, que abriu a Igreja à contemporaneidade. Livre dos regimes totalitários, mas simultâneamente pós-moderna, líquida, transparente... avaliada. Tornou-a mais humana e, por isso, mais universal. Verdadeiramente católica. Por isso os movimentos ecuménico e de diálogo inter-religioso foram tão estimados e desenvolvidos.

Com a publicação da carta Misericordia et Misera foi encerrado esse tempo extraordinário para a vida da Igreja. Como aí escreveu Francisco tratam-se de duas palavras que Santo Agostinho utiliza para descrever o encontro de Jesus com a adúltera (cf. Jo 8, 1-11). Não podia encontrar expressão mais bela e coerente do que esta, para fazer compreender o mistério do amor de Deus quando vem ao encontro do pecador: «Ficaram apenas eles dois: a mísera e a misericórdia».Quanta piedade e justiça divina nesta narração! Diante da miséria que todos acusam e recusam aparece o misericordioso que acolhe cada um e cada uma.

A misericórdia tem um duplo movimento. O movimento descendente: quando Deus vem ao encontro da humanidade criada e entretanto auto-exilada do seu criador. O movimento ascendente: quando Jesus morto ressuscitado nos garante que ressuscitaremos com ele e, ainda assim, permanecemos no nosso caminho terreno. Muitas vezes longo e árduo.

A misericórdia é um estilo de vida que precisamos cultivar neste duplo sentido. Aprender de Deus o fundamental para as nossas opções. Dar-se e dar lugar aos outros. Sobretudo estabelecer uma qualidade evangelizadora na relação humana com os nossos semelhantes. Não os olhar como adversários ou inimigos. Vê-los, ainda que distantes, mas com olhar de misericórdia. Um olhar de eleição e de compromisso. Seja pessoal seja a partir das instituições que servimos e têm como missão o serviço ao próximo.

Padre José Alfredo