
CALVÁRIO
Participar de um Sínodo significa colocar-se no mesmo caminho do Verbo feito carne (João 1, 14). Significa seguir os seus passos, ouvir a sua palavra juntamente com as palavras dos outros...
Não deixemos o nosso coração à prova de som; não fiquemos entrincheirados nas nossas certezas. Muitas vezes as nossas certezas podem fechar-nos. Vamos ouvir-nos uns aos outros.
Papa Francisco, Missa para a abertura do Sínodo dos Bispos, 10 de Outubro de 2021
Para sociedade ocidental, depois de termos desaguado em local incerto a nossa dignidade humana, que duas guerras mundiais e dezenas de conflitos regionais, no século passado, quase dizimaram, o grande desafio será recriar as suas instituições. Não basta, como dizem alguns, reabilitar as relações pessoais. Temos de ter instituições credíveis, capazes de moldar o tempo e a história, tal como nos são dados viver hoje. Os governos, as grandes multinacionais, as ONG's e a Igreja são postos em questão em múltiplos artigos de opinião e conversas de rua generalizadas. A abstenção na política, o desejo de um comércio justo, interesses ocultos no serviço humanitário e o êxodo das comunidades cristãs católicas são sintomas de uma grave doença: a perda de confiança nas instituições. Muitas vezes recorre-se ao humor para criticar opções e tomadas de posição dos seus líderes. Parece que ninguém fica imune a este vírus crítico. Mesmo decisões tomadas em determinadas circunstâncias passadas são alvo de julgamento à luz dos nossos dias. Julgamentos com desfecho imprevisível e argumentações vindas de muitos pólos de atracção. Querendo justificar a nossa auto-suficiência, o abuso de poder e o desprezo pelos outros esquecemos a lição do samaritano bom (Lucas 10, 29-37).
Quando servimos uma instituição pensamos na intuição do seu fundador: o que o levou a olhar a realidade desde uma perspectiva que ninguém tinha visto ainda? Reavaliamos os seus métodos e opções em ordem a um fim: pesamos o seu equilíbrio para hoje? E, naturalmente, respeitamos o trabalho dos que nos precederam: as instituições são uma longa cadeia de elos ligados entre si! Rompendo-se um, a cadeia fica mais frágil.
Creio que o desejo do Papa Francisco ao pedir aos cristãos e a muitos homens e mulheres de boa vontade que pensem e vivam em forma sinodal é para renovar as instituições eclesiais. E estas servirem de fermento no mundo. O desgaste de muitos séculos em alguns serviços da Igreja ao serviço das pessoas criaram verdadeiras caricaturas da realidade. O apelo é que aprendamos a servir a carne frágil do mundo assumindo essa mesma realidade. Não sei se posso escrevê-lo antes de o viver, mas aqui fica: não basta servir os pobres, é preciso amar a pobreza, identificar-se com ela. Perceber que tornar-se pobre é a única via para sustentar o mundo e permitir a vida do outro. A reciprocidade de que fala Mauro-Giuseppe Lepori. Francisco chama-nos à sinodalidade depois de alertar, na Laudato Si de 2015 e na Querida Amazônia de 2020, para os riscos que o planeta corre. Jesus, na sua vida terrena, não considerou ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente (Filipenses 2,6-11).
No Calvário de Beire ressoa a intuição de Pai Américo e a opção de Padre Baptista de criar um lugar salvífico para tantos que o mundo deixava e deixa, aparentemente, perder. Ouvi um voluntário citar aqui um refrão: não basta dar a esmola, é preciso dar a cara. E esta lição não contraria o Evangelho quando diz que não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita (Mateus 6,3). O Evangelho é um novelo de vida que importa desfazer para tecer novos paradigmas institucionais. Que as instituições não sejam a personificação de indivíduos, lugares de corrupção e violência física ou psicológica. Sejam um ambiente, um espírito onde todos possam respirar a verdade, a bondade e a beleza. Assim as instituições salvam os que a elas se acolhem e também os que as servem. E isto é um enorme serviço!
Padre José Alfredo