CALVÁRIO
Outro dia, pedia a um dos voluntários do Calvário que me levasse a levantar uns valores. Depois, perguntou-me se eu precisava de dinheiro. Eu respondi-lhe que não precisava e que tinha. Quando chegámos a Casa, ele meteu algum dinheiro no meu bolso e me recordei duma situação que vivi, há anos:
Chamou-me para que o fosse buscar à prisão. E assim fiz. Depois, parámos num bar para tomar o pequeno-almoço. Entretanto, dirigi-me à caixa automática para levantar algum dinheiro e entregar-lho. Meti-lhe o dinheiro no bolso e levei-o a casa com sua mulher e os quatro filhos.
Passados quinze dias, chamou-me a esposa, chorando que não tinha nada em casa para comer. Fui a um centro comercial, comprei umas pizzas para cozinhar e dirigi-me a sua casa. Com a desculpa de jantar com a família e ver as crianças, teria a oportunidade de falar com ele.
Aquele jantar converteu-se numa festa... enquanto cozinhávamos as pizzas, dei-me conta de que verdadeiramente não tinham nada no frigorífico, nem nos armários. Depois do jantar, falámos um pouco de tudo... e as crianças começaram a brincar.
Por fim despedi-me e ele acompanhou-me até à porta. Ali, os dois sós, não me pude reprimir e lhe disse porque não me avisou que não tinha nada em casa, se sabia que não queria vê-los a passar dificuldades, que era normal entre amigos ajudarem-se e que estava um pouco zangado com ele.
Então ele confessou-me o motivo porque não me havia chamado: «Naquele dia que me foste buscar à prisão e me ofereceste aquele dinheiro, quando subíamos para o carro fiz uma coisa que não devia, vi a quantia do dinheiro que te tinha ficado na conta e vi que era menor que a quantidade que me havias dado. Naquela noite não parei de pensar como irias passar até ao fim do mês com o pouco dinheiro que tinhas na conta». Despedimo-nos com um abraço.
Quando cheguei a casa metia a mão no bolso da jaqueta e encontrei alguns euros. Depois de pensar uma e outra vez de onde haviam saído, dei-me conta que ele os tinha metido lá - era exactamente metade do que eu lhe havia dado, há quinze dias atrás.
Hoje comecei a minha segunda sessão de fisioterapia e disseram-me que naquele momento teria de pagar adiantadamente. Quando me disseram a quantia, dei-me conta que era superior ao que tinha na carteira. De repente me dei conta que ainda tinha guardado o valor que me havia oferecido aquele voluntário... sorri e recordei-me daquela família.
A prática da fraternidade faz com que o dar e o receber seja um partilhar.
Padre Rafael