BENGUELA - VINDE VER!

Quarta-Feira de Cinzas

Terminou à instantes a Santa Missa com a cerimónia da bênção e imposição das cinzas na fronte e por cima da cabeça. Marcando assim os fiéis no início da Quaresma. Eis o tempo favorável! Eis os dias da salvação! Começamos a nossa marcha de quarenta dias até à Páscoa da Ressurreição. No alto da capela Jesus pregado na Cruz nos recorda: olhai e vede; quanto amor, quanto sofrimento na hora da angústia no Calvário, pés e mãos pregados. A Cruz no alto impera, um Reino de Paz, de Justiça, de Amor e de Fraternidade se avizinha para a sua instauração.

Os rapazes caminharam quinhentos metros desde as residências até à capela de Santa Isabel. Lugar das celebrações dominicais. Cânticos apropriados para o Tempo, falam de arrependimento, conversão, e progresso na luta contra as forças do mal. As leituras atestam no mesmo sentido, Deus é paciente, é misericordioso, é compassivo, é clemente.

Assumimos o nosso compromisso diante do altar do sacrifício. Queremos viver toda a Quaresma desejando ser mais misericordiosos, mais compassivos, mais pacientes, mais clementes.

Aos sábados, pelas três horas da tarde, acontece durante toda a Quaresma, a Via Sacra. O caminho do mistério profundo do amor de Deus para com os homens, manifestado na sua plenitude em Jesus Cristo.

A visita ao confessionário acontece com maior frequência neste tempo. Os padres vizinhos são os confessores habituais dos nossos rapazes da Casa. A sua preparação espiritual é muito importante para a vivência pascal.

Têm sido dias de muita chuva e calor por estas paragens do sul de Angola. Cresce o capim à mesma proporção das dificuldades de encontrar alimentos para saciar a fome a milhares de crianças pobres das nossas comunidades vizinhas. Cresce a insegurança e com ela os assaltos à mão armada. Alguns rapazes nossos já foram vítimas dos marginais no regresso das aulas do período nocturno. Falta iluminação pública, falta presença policial nas localidades da periferia. Muitos jovens não tiveram a sorte de ir à escola, outros começaram e ficaram pelo caminho, outros ainda chegaram do interior, onde a vida na aldeia tinha outros desafios, e ao chegarem à cidade encontraram um sistema completamente diferente, com muitas dificuldades para o seu enquadramento social. A falta de ocupação saudável. O emprego. O trabalho. O ganha-pão fugiu e recusa-se a acompanhar o dinamismo deste grupo que vive à margem das oportunidades. Quem dera, nesta Quaresma, a Igreja, pelo menos, tomando a dianteira na resolução dos problemas sociais que afectam as nossas comunidades, à luz do Espírito Santo pudesse trazer à tona um programa para abrir caminhos novos de esperança para os jovens que já nada esperam. Um projecto concreto para ser implementado como resposta aos grandes problemas sociais: a fome, a insegurança nas comunidades, a miséria, a saúde mental, a exclusão social, a justiça, e outros tantos. Mas sempre a começar pelo problema da fome, para depois poder falar da libertação da ignorância através do conhecimento e da instrução garantidos pelo sistema escolar.

Todos os dias homens e mulheres, crianças e adultos procuram na nossa Casa alguma maneira de resolver as grandes dificuldades que os atormentam dia e noite. E grande número destes peregrinos vem pedir comida. As pessoas não têm alimentos para matar a fome aos membros das suas famílias. Quando falta pão, tudo se torna mais complicado, e até quase insuportável e insustentável a situação. Tudo passa a ser possível, até mesmo a ética e a moral se retiram.

A nossa escola apesar de não ter salas de aulas suficientes, matriculou neste ano 2600 crianças que estavam sem escola. Assistem às aulas debaixo das árvores. Um quadro, um pau de giz, um banco corrido para se sentarem como se estivessem numa assembleia litúrgica, e outro móvel servindo de carteira para apoiar o caderno e tomar notas. Notas para a construção de um futuro melhor. Notas que se constituem matéria para o estudo. Estudo de informações que querem configurar-se como conhecimento. Conhecimento que não resulta das aprendizagens significativas, e ainda serve para alguma coisa, pelo menos para serem testados em provas de avaliação que não provam quase nada! Os resultados estão à vista! Andando pela universidade, o espantoso e assustador fruto de uma sementeira sem sementes híbridas, com pouco adubo e escassez de água para a irrigação, faz crescer o joio e mata o trigo bom, no terreno da inteligência e aquisição de competências, transformando diplomados, em estagiários pacientemente estagiários, e aprendizes em recrutas de novas práticas que as teorias desconhecem.

Que nesta Quaresma, possamos ajudar e sermos ajudados a construir lugares com espaços e momentos de grande fraternidade universal, que transpareça o convívio harmonioso com Deus, com os homens e com a natureza.

A conclusão é de Pai Américo, «Ora eu tenho aqui uma estatística de Fevereiro do ano de 1946 a falar das crianças sem abrigo e de outras abrigadas, sim, mas órfãs de pais. Contam-se por milhões, as da primeira categoria! Alemanha: oito milhões. Itália: três milhões... — e tudo assim. A estatística diz algarismos. Que diga o resto o teu coração, se és capaz de amar. Crianças que não brincam! Crianças à procura do sorriso da mãe! Eis a amargura. Crianças a pedir e a roubar. Eis a desgraça»!

Padre Quim