BENGUELA-VINDE VER!

Ainda é tempo de Esperança

Vivemos envolvidos num contexto quase dominado pela incerteza da vinda de dias melhores. As dificuldades são cada vez maiores e continuam em linha ascendente. A pandemia tem sido apontada como responsável do agravamento desta situação de crise em quase todos os níveis. A rádio local noticiou, há dias, que um homem que vivia com dois filhos não tendo meios para os sustentar e não encontrando alternativa alguma de vir a dar solução ao problema de miséria que os atormentava decidiu pôr fim à sua própria vida e dos seus filhos. Todos estes e outros acontecimentos de que vamos tomando conhecimento aqui e acolá fazem sangrar o coração de tristeza. A falta de pão leva muitas famílias a perder o equilíbrio e a esperança de viver. Muitas pessoas carenciadas andam pelas ruas da cidade a pedir ajuda aos bons samaritanos que passam pelo seu caminho. No final do mês aqueles que ainda têm emprego mal conseguem pagar as dívidas que foram contraídas com o magro salário que levam para casa.

Em frente ao portão da nossa Casa do Gaiato de Benguela, tornou-se habitual encontrar jovens e adultos, homens e mulheres a pedir alguma coisa para comer, alguns sem máscara e outros com ela, mas mal aplicada, e sem distanciamento entre as mesmas. Tenho constatado que quando a miséria é extrema, as pessoas afectadas deixam de obedecer às normas estabelecidas. A fome não tem regras e, por isso, em muitos casos, faz com que as suas vítimas facilmente venham a prescindir da sua observância.

Os funcionários que temos em Casa pela necessidade de assegurarem alguns sectores, tais como: os mestres nas oficinas, os guardas, e o pessoal do campo e cuidado dos animais, frequentemente fazem adiantamento do seu próprio salário que deveria ser recebido no fim do mês porque as necessidades que têm em suas casas são maiores em relação ao número de membros que compõem a família. Temos sido neste sentido muito atenciosos para com todos os nossos colaboradores tendo em atenção o conhecimento que temos da realidade de vida de cada um. As relações humanas são muito importantes entre as pessoas que realizam uma missão cujos objectivos são os mesmos. No nosso caso é o de dar assistência e educação à criança num ambiente onde todos possam sentir-se em família. Muitos dos nossos rapazes chamam tio, tia, mana ou mano aos trabalhadores e o mesmo afecto é-lhes retribuído.

O «Paulinho», voltou a Casa. A família que o tinha adoptado há quase um ano mandou-o embora. E quando perguntei pelo motivo da sua vinda o rapaz disse-me assim: «Senhor padre comportei-me mal e eles não me quiseram lá mais». Disse a verdade ao menos e em nome da verdade é recebido outra vez em nossa Casa para continuar a preparar-se para a vida adulta que o espera com uma postura mais correcta de estar na vida. A ver vamos Paulinho, o nosso bom Deus te vai ajudar a mudar de vida. Não tenhas medo. Segura na minha mão e vamos para o refeitório. Era a hora do jantar e o intruso é bem conhecido da rapaziada. O rapaz assume o seu posto e come do nosso caldo quentinho. O rapaz é feliz e fica bem no meio da gente. Não será fácil de agora em diante que alguém venha com mais uma histórinha de adoptar um dos nossos rapazes. O caso tem vindo a repetir-se. Foi, há dois anos, o «Cassinda» voltou pelas mesmas razões do Paulinho. No ano passado foi o «Zeca» e pelas mesmas razões voltou a Casa. Não podemos experimentar se o rapaz dá ou não para ser filho. Ou é filho e o aceitamos como ele é para podermos ajudá-lo a ser melhor ou então não dá para ir ao laboratório constantemente para ser testado se serve ou não serve.

Temos tido boa colheita nos campos. Esperamos também ter boas colheitas no campo académico agora que retomamos as aulas. A conclusão é de Pai Américo: «Não há rapazes maus; mas é muito difícil torná-los homens bons, quando começamos tão tarde a conhecê-los. É no berço que se forma a criança, sobretudo crianças desta natureza.»

Padre Quim