BENGUELA-VINDE VER!

Pobres à porta

Vivemos em tempos de muitas dificuldades no que diz respeito à satisfação das necessidades básicas, nomeadamente a fome. São quase incontáveis as preocupações do dia-a-dia. Às vezes, até as noites de descanso merecido são transformadas em momentos de difícil travessia para a outra margem do amanhecer, se considerarmos a imensidão de desafios impostos pelas circunstâncias do contexto, que só com coragem e audácia podem ser ultrapassadas.

A Casa do Gaiato é uma porta de entrada sempre aberta para acolher, assistir, integrar, e promover o rapaz, e também assume-se como uma porta de saída para projectar o homem, que ontem não se bastava para uma vida autónoma e digna no contexto da convivência social e inclusiva quanto ao alargamento do seu horizonte, metas e expectativas de realização e satisfação com a própria vida.

Continuamos a caminhar de mãos dadas com os mais pobres da nossa sociedade. E sempre encontraram bom acolhimento no interior da nossa Aldeia. E era junto à porta do escritório da casa-Mãe que os costumávamos encontrar depois da celebração da eucaristia matinal. Nestes últimos meses a situação veio a alterar-se, muito em parte influenciada pelas medidas de prevenção contra a transmissão da pandemia da covid-19. O lugar de encontro com as pessoas que não fazem parte da comunidade passou a ser em frente ao portão de entrada da Aldeia. Os nossos pobres são cada vez mais exigentes no trato. Desejam matar a fome. É só isso. Para quem chegou a conhecer o sabor do pão nosso de cada dia quando este lhe vem a faltar começa a pôr em causa até os princípios mais nobres pelos quais acredita. Dificilmente nas suas andanças de pedinte bate à porta de uma pessoa poderosa e rica da cidade. Os guardas afastam-nas. Mas a fome aperta e a incerteza de poder vir a conseguir que alguém lhe ofereça um pedacinho de pão torna-se maior face ao elevado número de rejeição ao seu pedido de apenas umas poucas migalhas de pão. A confiança com que se dirigem quando para a carrinha, tão logo é aberto o nosso portão, é admirável. Outro dia ao passar ouvi dizer da conversa de dois jovens: O padre tem e deve dar aquilo que precisamos. Vamos ter com ele! O outro companheiro dizia - Deu aos outros também deve dar a todos nós. Nós damos, sim! Mas damos aquilo que nos dão também. Podemos então partilhar. Isso, sim - e assim acontece, nunca mais virá a faltar farinha na panela, nem azeite na almotolia, como sucedeu outrora com a viúva de Sarepta ao partilhar tudo o que tinha para viver, fez como o profeta Elias tinha pedido; cozeu um pão e deu ao homem de Deus. Dói o coração quando nas notícias acompanhamos os casos de dirigentes que ao mais alto nível da governação desviam somas avultadas de dinheiro que serviriam para fazer um investimento mais realista e promissor para pelo menos garantir um nível de vida aceitável e digno para as pessoas, sobretudo as que se encontram em maior estado de vulnerabilidade e marginalização socio-económica. Queremos ser, e já caminhamos para ser cada vez mais, o refugio dos pobres atormentados pelas injustiças e as crueldades da vida. A conclusão é de Pai Américo «A pobreza é coisa tão santa que ninguém lhe mexe! Hei-de fazer testamento; deixar uma Obra pobre para servir as classes pobres; ligar a minha derradeira vontade aos meus continuadores que, por isso mesmo, têm de ser herdeiros da renúncia ao oiro e à prata, para bem merecer este posto de sacrifício.»

Padre Quim