BENGUELA — VINDE VER!
Evangelho aberto
Cresce de maneira galopante a miséria no meio do nosso povo. As consequências directas estão á vista; mais famintos, mais doentes, mais delinquência, mais insatisfação e mais desejo para emigrar. Para uns poucos mais luxo nos seus carros e em suas vivendas com cerca eléctrica e pastor alemão. Para muitos outros mais lixo se tiver a sorte de o encontrar no contentor donde o retira para a sua refeição. Mais paludismo, mais funerais, mais e mais… Venho do Consulado onde normalmente vou levantar o correio que chega de além-mar. Vejo a preocupação e a ânsia de muitos jovens para conseguir um visto de saída e questiono-me em silêncio: o que se está a passar? Um País abandonado pelos seus filhos? O que será dele? Uma casa assombrada? Uma nação sem alicerces firmes para o seu desenvolvimento? Um movimento migratório forçado pelo desgosto causado pelas condições precárias a que são submetidos a viver. Eis a questão: viver ou morrer? Aqui ou acolá? Uma mina de diamante, um poço de petróleo, fauna e flora riquíssimas. Tudo á mercê das aves de rapina. A opção é fundamentada por quem experimenta diariamente a inconveniência de estar num lugar onde não é contemplada a hora de partir o pão. Este hoje em falta na mesa dos pés descalços. Tudo porque o dito e miraculoso progresso não os adoptou. Crianças abandonadas, velhinhos com a mesma pouca sorte. Nem tecto, nem escola, nem trabalho, nem paz social e nem saúde mental. Que remédio? Qual esperança espancada? Qual, que? E mais. A hora das notícias soava o alerta á guerra entre os vizinhos. "A guerra dos tronos" Rússia e Ucrânia, e agora também Israel e Palestina. Ontem ouviu-se que o vizinho ao lado da rua queixava-se de que tinham roubado o seu cabrito, e que dizer das nossas galinhas? Dezenas delas também voaram antes mesmo de terem asas e penas robustas. Que mundo! Com a letra "m" miniaturizada. Vou andando pelo passeio até ao carro para seguir o caminho para Casa. Sim com o "C" cada vez mais em letra Maiúscula. E vou pensando ao longo do trajecto: talvez pudesse ser diferente, ou porque tinha de ser assim? Nisto veio-me a mente a frase encontrada em algum livro e que passo a citar: "tenhamos esperança no futuro quando o mundo estiver preparado para uma vida melhor." Quando Deus quiser. Mas também temos a garantia dada no Evangelho "quando tudo isto estiver a acontecer não penseis que terá chegado o fim"; Mateus 24:6-8 diz: "E ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; olhai não vos perturbeis; porque forçoso é que assim aconteça; mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino; e haverá fomes e terremotos em vários lugares".
Acabou de chegar a carrinha da cidade, o motorista regressa a Casa com as compras e falta mais da metade esperada pela quantia de dinheiro que levou. Então? O jovem aflito conta-me o que viu e ouviu. O saco de açúcar já não custa 22 mil, hoje esta a custar 65 mil cuanzas. O relatório é enorme mas com as compras muito reduzidas. Isto, isto e aquilo e mais… pronto, o que havemos de fazer? Eram vinte horas quando entrou o «Zé» em nossa Casa acompanhado por duas freiras. Ele não tem onde dormir, não tem ninguém. Diziam… Estamos aflitos e sem lugar para acolher o menino. Foi a minha resposta. Não tenho coragem para o deixar partir sem ninguém depois de ter chegado à nossa Casa sem ninguém também. Entrou em Casa foi lavado e posta de lado a tristeza que marcava o seu rosto. Tomou a sopa e foi dormir na casa-Mãe, junto dos seus novos irmãos. No dia seguinte no livro dos registos das entradas dos rapazes foi assinalado o número 151. A Obra da rua é uma porta aberta para a Esperança. Quando se pensa que já não há solução abre-se o coração para acolher e promover o que era dado como peso e vergonha da sociedade. A fome é absolutamente terrível, reduz a capacidade para conhecer a ciência e o Evangelho. Vamos para o campo trabalhar. Os motores fazem muita falta para trazer a água até a zona da sementeira. Aguardamos pela generosidade dos homens e mulheres de boa vontade. Na região não chove há vários meses. A água encontra-se nos furos a cerca de treze metros de profundidade. Vamos lá busca-la de mãos dadas! Em tempos difíceis confiemos plenamente em Deus e descobriremos que sua mão nunca nos deixou de sustentar. A conclusão é de Padre Américo «Desejamos dar à Casas do Gaiato a feição de Casa deles, para eles, governada por eles. É uma concepção de Assistência inteiramente revolucionária que foge à rotinice clássica dos agentes de vigilância nas congéneres Obras sociais. O miúdo assim à-vontade, no seu grande elemento, mostra-se e revela-se tal qual é. Não queremos diminuir a sua personalidade, mas sim valorizar.Estamos formando dentro da pequenina comunidade de hoje, os dirigentes de amanhã.»
Padre Quim