DA NOSSA VIDA

Família

À entrada no nosso refeitório, para o pequeno-almoço, um dos nossos médios calcou, involuntariamente, no calcanhar, a sapatilha de um dos mais pequenos que caminhava à sua frente.

O pequeno, pensando tratar-se de um acto propositado, chegou-se ao mais velho e deu-lhe um "chega para lá". O outro fitou-o, olhando-o com ternura estendeu e ofereceu-lhe a palma da mão. O pequeno, olhando-o nos olhos, estendeu também a sua, trocando ambos uma palmada e, de seguida, como eles costumam fazer, foi um toque de punhos, aquele gesto que, graças à pandemia, se tornou num gesto que se generalizou.

De uma pisadela inadvertida, de que poderiam surgir maus sentimentos, zangas e protestos (é que os pequenos hoje em dia não se ficam), nasceu um perfume de paz, que eu particularmente saboreei, de que o mais velho foi o protagonista.

É certo que nem sempre os nossos rapazes constroem a paz entre si, no entanto é muito raro isso acontecer. E mesmo quando acontece, rapidamente o ultrapassam.

Há um espírito de união e de fraternidade entre eles que não se vê nem se sabe de onde vem. Mas como se poderia ver e saber? Quando muito, só relacionando os factos para tirar conclusões.

Eu não tenho tempo nem disposição para isso. Atribuo-o ao espírito que congrega e une as pessoas - o espírito de família.

Não é em família natural que eles vivem, obviamente. Mas não deixa, no entanto, de ser em espírito familiar que se vive na Casa do Gaiato.

Esta é, aliás, uma pedra de toque da nossa forma de viver. Sem experiência de vida familiar não temos vidas equilibradas. Então, tudo o que contribua para dar sabor de família à nossa vida, é bem-vindo. Mas, pelo contrário, tudo o que se lhe oponha, não o queremos. Este espírito e esta forma de viver não agrada a todos...

Pois se logo ao começar o dia, o pequeno-almoço é feito e servido por eles; se muitas vezes o almoço também; se o jantar vem pelo mesmo caminho, e o pôr e levantar das mesas é trabalho das suas mãos; se a loiça é sempre posta, lavada e reposta por eles, como não viver em espírito familiar? De facto, a construção da família começa à mesa.

Nem sempre gozo alegrias no nosso quotidiano. Mas esse dia, começou em grande. Foram gestos que só eu gozei. Para eles, é cimento quotidiano que os une.

Padre Júlio