BENGUELA

A alegria do Afonso

Em meados do mês de Maio do ano passado recebemos cá em Casa mais um menino, seu nome é «Afonso». Veio de Luanda acompanhado por uma senhora que conhecia a história de vida do rapaz. Em pouco tempo, valendo-se da sua simpatia e imaginação, integrou-se tão bem no nosso estilo de vida. Ao chegar a casa um visitante sabe receber e acomodar até que apareça o superior. Fala de histórias do passado recente da nossa vida, até de nomes de rapazes que são do outro tempo e que ele não chegou a conhecer. O rapaz vindo da rua sabe ouvir atentamente os episódios e depois retratá-los como se ele estivesse presente no tempo e no lugar dos acontecimentos dos quais ouve falar. As pessoas quando nos visitam perguntam às vezes pelo «Afonso»; tornou-se conhecido e destaca-se pela marca da sua delicadeza. Nestes dias de final de exames escolares e publicação de notas da 4ª classe, vieram os rapazes manifestar a sua felicidade por terem alcançado bons resultados. O «Afonso» não quis vir e não veio mesmo até ao refeitório pequeno, onde temos o costume de trocar os bons resultados escolares por rebuçados ou outros prémios aos nossos pequenos vencedores de grandes conquistas. Sim grandes conquistas! Eu cá sou testemunha ocular de grandes mudanças que têm acontecido na vida dos rapazes. Quando chegam a nossa Casa muitos deles nunca tinham conhecido um lápis, uma folha de papel limpa para escrever, outros tivemos de ensinar a manusear o lápis, pois manifestavam comprometimento na sua motricidade fina. Hoje a realidade mudou completamente. Os mesmos escrevem, desenham, cortam, pintam, projectam, só para citar algumas habilidades bem conseguidas, graças ao ambiente educativo apropriado para moldar o comportamento do rapaz, como se estivéssemos a lapidar um diamante que chegou às nossas mãos ainda bruto. Voltando para o caso do nosso rapaz, este, não apareceu nas primeiras horas. Momentos depois vejo-o vir em lágrimas acompanhado pelo chefe. O que foi com o menino? Respondeu-me o chefe: - o «Afonso» ficou reprovado na escola e diz que tinha tido durante o ano lectivo bons resultados nas provas. - É verdade «Afonso»? - Sim, respondeu o pequeno: - é verdade. - E onde estão estas provas com bons resultados? - No escritório da Casa-Mãe, disse o garoto. Então pedi que levassem as provas para serem confrontadas na escola diante do professor. Depois de alguns momentos vejo-os regressar, e estando ainda à distância notava-se a alegria pela forma como os dois marcavam os passos em direcção ao escritório. Então está tudo? Está! Senhor Padre, afinal o «Afonso» aprovou!... - o quê!? E porque saiu então reprovado? - Disseram que foi um engano. Mas o «Afonso não se deixou enganar e foi até ao fim para averiguar a verdade dos factos. Agora é um rapaz feliz, pode sorrir, vai participar do campeonato de futebol que o «Pedro João» está a organizar, irá ao passeio dos aprovados... muitos privilégios para os que trabalharam ao longo do ano lectivo e hoje sabem colher os seus frutos. A conclusão é de Pai Américo «Tenho aprendido coisas que dantes ignorava. A nossa Obra é escola mais dos que pretendem ensinar do que verdadeiramente dos que estão para ser ensinados. Se o rapaz tem tanto amor àquele eu, que o não dá, nem troca nem quer que ele se misture ou confunda, que vamos nós fazer? Orientar. [...] Ora nós aqui em Casa pretendemos que aquele que diz «sou eu», seja na verdade ele. Ele totalmente, sim, mas humilde. Humildade.»

Padre Quim