BENGUELA

Somos todos irmãos

Celebramos, hoje, Domingo, a Festa da Padroeira de Angola. É o Coração Imaculado de Maria. A nossa querida Angola deve sentir-se invadida por uma torrente de amor fraterno verdadeiro. Todos os seus filhos, desde os mais pequeninos aos mais velhos, vivam como irmãos. É, sem dúvida, um ideal apaixonante. Quem dera todos os filhos de Angola se olhem como membros duma grande família! É o caminho único, animado pela justiça e pelo amor, que leva à felicidade, como direito inalienável. Este projecto, verdadeiramente humano, deve constituir uma pedra básica no coração e na inteligência de todos os responsáveis por Angola. Infelizmente, na hora actual, este dinamismo, animado pelo sentido da justiça social e do amor autêntico, está de tal modo fragilizado que a miséria material e humana constitui um foco de sofrimento. Não é possível cruzar os braços, perante a situação vigente. Os altos responsáveis devem dar testemunho com a sensibilidade humana, perante esta situação. É a partir do seu exemplo e das suas palavras que os responsáveis do segundo plano darão passos em frente, no caminho gerador da verdadeira felicidade fraterna do povo. Somos todos irmãos. O amor e a justiça devem estar presentes nos corações de todos os filhos de Angola. É uma oportunidade para fazermos um exame às nossas vidas, no sentido de verificarmos se temos vivido, dentro das possibilidades, ao nosso alcance, este projecto da construção duma comunidade familiar com todo o povo de Angola, Não tenhamos medo. É uma inquietação saudável que devemos alimentar nas nossas vidas, Há momentos, alguém bateu à porta. Deixei de escrever e fui à procura do cliente. Quem era? Um pobre, esfarrapado e ferido, residente no bairro vizinho. Vive na miséria. Vamos procurar, em breve, uma solução mais humana. De momento, recebeu uma esmola e foi-se embora, deixando dois beijos, agradecidos e cheios de carinho. Já é muito conhecido.

Devemos amar os nossos irmãos sempre. O amor ao próximo não é algo que se nos imponha como uma lei externa. Não é verdade que todos e cada um de nós necessitamos do amor dos outros? É, sem dúvida, daqui, do amor que recebemos, graças ao qual podemos viver com segurança e felizes que arranca o nosso poder e a nossa fortaleza para amarmos o nosso próximo. É uma ajuda simples e favorável que temos. Trata-se duma disposição interna habitual, contrária ao orgulho e ao egoísmo. Os pais, os adultos, os empresários sejam um verdadeiro modelo para os filhos, os jovens e seus trabalhadores. Há dois dias. um jovem pobre e miserável, viu a porta do nosso refeitório aberta, à hora do almoço e entrou, sentando-se no chão. O nosso rapaz, chefe naquele momento, foi ao seu encontro. Apercebeu-se da situação miserável que tinha diante dos seus olhos. Preparou um prato, cheio da comida que estava na mesa e levou-a para o pobre comer. Foi uma iniciativa pessoal que me encheu de alegria. Este nosso filho mostrou-se sensível, perante a situação de miséria apresentada. É, sem dúvida. uma experiência para a sua vida futura, assim penso. A situação do pobre que nos procura regularmente aconteceu, pouco tempo depois. Foi atendido com todo o carinho.

Temos muito viva a lembrança dos 130 anos que Pai Américo viveu. Sinto muito presente o meu encontro pessoal com ele, dois anos antes da sua morte, na nossa Casa do Gaiato de Paço de Sousa. Foi, na verdade, um momento feliz para ele e para mim. Faltavam-me dois anos para terminar o meu curso de preparação para o sacerdócio. Tinha 21 anos de idade. Sentia, em meu coração, o desejo de ser Padre para as crianças da rua. Fui ao encontro de Pai Américo a partilhar com ele este projecto que o Pai do Céu pôs no meu coração. Foram momentos de alegria mútua. Disse-me que tinha quatro Casas do Gaiato, em Portugal, mas apenas três padres. Havia falta de vocações para doar a vida às crianças da rua. Por isso, acolheu com muita esperança e alegria a proposta do meu coração. O Pai do Céu consumou esta Sua Graça, quando cheguei aos vinte e três anos de vida. Pai Américo tinha partido para o Céu, um ano antes, vítima dum desastre. Esta circunstância do encontro das nossas vidas torna mais presente a pessoa de Pai Américo no meu coração, ao celebrarmos os 130 anos da sua história pessoal. Nesta circunstância actual a Obra da Rua está a viver a ausência dum sacerdote para dar a sua vida aos doentes incuráveis do Calvário, pobres e abandonados. De igual modo, a nossa Casa do Gaiato de Moçambique, em Maputo, não tem sacerdote que dê a sua vida ao serviço dos filhos abandonados. A Ir. Quitéria vai assumindo o papel de mãe e de pai daqueles filhos. Que Pai Américo lembre e peça ao Pai do Céu o dom maravilhoso destes corações de sacerdotes. Com um beijinho dos filhos mais pequeninos da nossa e vossa Casa do Gaiato de Benguela.

Padre Manuel António