BEIRE - Flash's

Flash's do quotidiano

1. Da Missa para as ervas do Jardim… Ao ouvir aquela história, de tal modo me senti tocado que logo dei comigo a imaginar a cena: O marido dela morreu. Pouco tempo depois, ela sente na pele e toma consciência de que, realmente, «não é bom para o homem viver só». Mesmo sem saber que foi este alerta de Adão que fez Deus acordar para esta dura realidade da vida. (Gn 2,18)… Sem os outros, a vida não faz sentido. Mas os outros também podem tornar-se um inferno… O segredo está em ir aprendendo a arte de lidar comnosco e comquem nos vai caindo no prato…

Nessa sua experiência da viuvez, dolorosamente vivenciada, parece que a senhora intuiu que ainda «há caminhos não andados que esperam por alguém»(1) … Ela é vizinha de uma colaboradora nossa. E ambas são vizinhas do Calvário. Em pé de conversa, fica a saber que "agora, no Calvário, a Missa é aberta à Comunidade e que a Capela Espigueiro já é pequena para tanta gente que nos busca". Passam a vir juntas à Missa. Na manhã de um domingo ensolarado deixa que o seu olhar de mulher sensível poise no jardim do cruzeiro. Ao descer a escadaria, dá-se conta de que foi arranjado há pouco, mas já precisa que cuidem dele. O que está ali em frente é tudo promessa e ameaça. Na realidade, mais parece um campo abandonado, onde as daninhas imperam, viçosas.

Sai-lhe da boca, com a mesma pureza das águas da fonte: – Se me deixassem, eu vinha aqui um dia e… Não gosto de ver um jardim mal cuidado… A conversa prosseguiu e ela veio. Não conseguiu fazer tudo num dia só. Voltou e acabou depois. Aquilo ficou um brinquinho. E, antes de ir-se embora, ainda botou uma mãozinha na rouparia – para ajudar a colega aflita… De regresso a casa, no dizer da nossa colaboradora, a senhora não cabia em si de contente. – Sinto-me tão bem por ter feito aquilo!

Era o domingo das Bodas de Caná – a transformação de uma água comum em vinho de primeira… Parece ser o que ali se passou – um domingo comum que abriu portas a uma descoberta(2) que pode salvar aquela viuvez, pelo serviço que presta aos outros. O voluntariado torna-se assim uma grande bênção

2. Desde os «medos» até à comUNI(nh)ão Gosto de saborear esta verdade da nossa experiência de todos os dias - «tempo que não chega para o amor desumaniza o homem e enche o mundo de tédio»… Sem amor a vida perde todo o sabor a vida… Tudo fica insípido e incolor. Passados os repentes de algum fogo de artifício, tudo volta ao mesmo - sem cor e sem valor… E gosto igualmente das diferentes leituras que se fazem deste fenómeno humano – somos habitados pela necessidade de amar e ser amados. Já Aristóteles o registou: «Porque não somos nem deuses nem bestas, não podemos viver sós. Precisamos do amor. Somos uns deficientes».

Disse que gosto de me deliciar na busca das explicações que cada um, lá nas suas cabalas mentais, vai dando à questão desta fome de amor. Assim: a) As "Ciências da Terra" dizem que «isso» mais não é do que «a ação da seta do tempo e do impulso da evolução a empurrar-nos sempre para a frente e para cima, de convergência em convergência, na direção de uma culminância suprema»… b) as "Ciências da Psique Humana" tentam explicar que esse "desejo de união" mais não é do que um resquício «da memória ancestral da nossa vida no útero materno»… c) as "Ciências da Religião" ensinam que esse «algo» é a ânsia por Deus, como Alfa e Omega da nossa vida. E o importante é que cada um encontre aquela explicação que o leve a revelar-se na melhor versão de si mesmo (SMV = Sua Melhor Versão) – mais paciente, compassivo, humilde, sereno e bom.

Olho o sr. Costa, olho a Julieta - de quem já vos falei. O primeiro, no seu «não sou praticante, mas sou religioso»; a segunda, no seu «não posso entrar dentro de uma igreja. Sinto-me mal»… Passam os anos. Ninguém obriga nada a ninguém. Seguimos fiéis àquilo em que acreditamos e que aqui nos mantém – por amor dos que sofrem. O tempo foi fazendo o que faltava fazer naquelas vidas – frente aos mistérios do amor. Hoje, quer um quer outro, sem se falarem disso, lá estão na Missa, cada domingo, a participar na Comunhão e tudo. Volto a conversas havidas com Pe. Baptista – eu não sei discutir teologia, mas sei que as nossas práticas religiosas os pacificam muito. Isso nos basta. Eles são a nossa razão de ser aqui…

3. Um "hóspede" no Calvário… Ele conhece-nos bem. Luta noutras guerras da ação social, mas sabe da importância desta nossa batalha aqui. Durante trinta anos, trabalhamos na mesma empresa – o ex BBI. Há dias, almoçamos juntos, para entrega de um livro que deixei sair do coração para o papel… Na sequência, sai-se-me com esta: - Vós tendes lá uma Casa de Hóspedes em que eu possa passar uns dias para conversar contigo?!… Falamos do nosso passado e do nosso presente. O nosso futuro já quase é só a alegria de termos tido um passado assim e, no presente, ainda nos podermos ver assim…

A conversa prossegue e sai-se-me com mais esta: «Cada vez estou mais religioso»… E conta-me da alegria de se ver com esta idade, cheio de ideais sócio políticos e com os filhos e netos a teimarem para que lhes deixe um livro sobre o duro mas bonito per+curso do seu singrar na vida.

— É sobre isto que eu preciso da tua ajuda…

Sonho com o fruto de um Calvário bem enxertado numa ERPI ou numa ERPI bem enxertada num Calvário…

__________________________________

1 Um verso dum antigo hino que, na adolescência, já tanto me tocava. Penso que era o hino do Movimento da Ação Católica que, em meados do séc. XX, tanto mexeu com tanta gente na sociedade de então. Obrigado Mons. Cardijn!

2 Nunca é demais repetir: Des é um prefixo de privação… Se privarmos a realidade das cobertas que no-la escondem, iremos descobrindo «as maravilhas que Deus faz em nós»…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]