BEIRE - Flash's

As C.T.A.(1) do «fazer memória»...

1. Foi n'O Gaiato de 01.06.2024… Era já a hora do deitar. Pe. Alfredo cruza-se comigo, como quem me procura. Sorri, estende o braço e, numa amabilidade que lhe é peculiar — era para lhe dar O Jornal! Estranhei, por ser precisamente o "dia da venda". E, pelo correio, chega sempre mais tarde…

Sentado na cama, ainda antes dos meus rituais da deita, abro O Gaiato. Deixo-me arrastar por aquela foto da primeira página e, nuns segundos de arrumação interior, fico perplexo. Naquele "rapazinho", ajoelhado diante de Pai Américo, vejo o nosso Pe. Manuel Mendes… E, por detrás dele, vejo ainda aquele Manelzito que, sempre ao lado da mãe Emília e do irmão Ameriquito, eram nossa visita quase diária lá na Casa do Gaiato de Paço de Sousa, onde me residenciei na véspera de Natal de 1959. Tudo já do século passado… E, entre contente comigo e com pena de mim, oiço um "estou mesmo velho!"… Porque também já estão velhos aqueles que eu conheci ainda meninos… Rio de mim e agarro-me a S. Paulo (Ef 4, 22-24) com a sua do «homem velho» e do «homem novo»…

O sono foi-se-me embora e começo a ler. Primeiro os títulos, depois os artigos mais pequenos. Paro-me no Da nossa vida — «Uma luz se acendeu». Futurava o tema… Já sôfrego de mais, agarro-me ao Pão de Vida — «A Mãe é sempre bela». Enterneço-me e vou lendo devagarinho. Aquelas citações de Pai Américo acordam memórias que remontam à década de 1950. Vibro ao descongelar toda a pré-história de "um admirador" — que só aparece aqui em 05.09.2015.

Foi lá que tudo começou — n'O Famoso. Com nomes como Pai Américo, Júlio Mendes, Daniel Borges da Silva, Manuel Pinto, Avelino, Zé Eduardo, António Carpinteiro, Carlos Gonçalves… E o nome Casa do Gaiato, Obra da Rua — como que a dar-me a conhecer e a alertar-me para a «minha» vocação… Gaiato, Calvário, Obra da Rua! Tudo coisas de um «mundo novo», a desvendar(-se) em mim — por caminhos não andados. Mas que (ainda) esperam por alguém

Referve em mim a emoção com que, adolescente ainda, sempre ouvia ler O Gaiato, no refeitório, na Escola Claustral do Mosteiro de Singeverga. Foi por esses microclimas (culturais e afetivos) que tive a sorte de experimentar toda a bulha do nascer dos primeiros pêlos do adulto que já gritava em mim, em busca da minha identidade — à espera de vez e voz para ser gente…

2. «Celebrar as datas é cultivar o amor»… Hoje, 01.06.24, revivo toda a ginástica em que, pela calada dos silêncios do Mosteiro, voltava ao refeitório para, antes que levassem O Jornal, poder "tomar notas". Eram «coisas» bonitas demais. Não podia perdê-las. Pai Américo tocava fundo. Júlio aplaude e empurra pa frente. Daniel, faz «crónicas» que… Pe. Horácio, Pe. Baptista e Pe. Acílio vão chegando… Pe. Carlos — ainda seminarista — «estou no meio de vós como quem observa e muito tenho observado»…

Agora, ao ruminar as memórias da mãe Emília(2), tudo salta… Louvado seja Deus, Louvado seja! Não pude estar na «despedida terrena» do pai Júlio. Mas recordo o impacto que ecoou em mim, a primeira vez que fui ao cemitério — a fazer memória dele. Ali ao lado onde está Pe. Carlos e onde estivera Pai Américo. Trouxe comigo aquele seu sorriso — inconfundível e contagiante. E o estremecimento da voz dele, cada vez que nos cruzávamos — Ooooh, Xô Freeei!… Não tenho memórias de nenhum Olá, Abel. Mesmo numa nota sobre a morte da Isaurinha, ela é referida como a esposa do Frei Simeão…

Obrigado Pe. Júlio, Pe. Manuel, Ameriquito e Rapazes de Miranda. Estas crónicas, in memoriam, falam-me de um mundo novo que, desde há 70 e tais anos, começou a incendiar-se em mim — via leituras d'O Gaiato. A temática do desabrochar da vida humana cedo me cativou. Como se intuísse que «Deus, Vida e Amor são uma só e mesma coisa»… Na unidade do «amor». Um amor que une a multiplicidade dos elementos que tecem o milagre do eclodir da «palavra nova» que explode em cada um…

3. … Vá a Miranda ver o Manelzito… Depois de tantos anos. A última palavra que ouvi da D. Emília, ao ver-me na Capela de Paço de Sousa: — Vá a Miranda ver o Manelzito. Ele vai ficar contente!… Sempre a mãe a falar. Hoje, enterneço-me neste parar-me, aqui no Calvário, a com+templ+ar(3) o «milagre» da vida a acontecer… Dou comigo a sonhar outras crónicas — a fazer memória. Para cultivar o amor que nos une…

Junto peças. Finais da década de 1980, viagens a Londres, na busca da saúde para a Isaurinha. Algo, para mim, inaudito: os corredores do Hospital cheios de quadros célebres, oferecidos para ali, «em memória de F, seu quadro preferido»; nos bancos de um jardim público e/ou nos bancos de um Miradouro que deslumbra, uma chapinha gravada — «Em memória de Y, que aqui…».

Hoje, percebo melhor: O recordar datas e o que elas acordam em nós serve, realmente, para cultivar o amor. Amor aos vivos desta Obra da Rua. E àqueles que já brilham como Estrelinhas no Céu

O nosso Cemitério fala de outra luz

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1 — Para quem gosta de «Aprender a Ver», tudo é objeto de CTACiências a descobrir, Técnicas a ensaiar e Artes de expressar(-se)…

2 — Emília e Júlio Mendes — pais do nosso Pe. Manuel Mendes e do nosso Director-Adjunto.

3 — Deixem-me repetir(-me): Comtemplar é entrar no âmago das coisas (o «santo dos santos» dos templos daquele tempo…). O melhor não se vê com «estes olhos que a terra há de comer»… Não. O melhor só se vê com os "olhos do coração", os "olhos da fé", os "olhos da mente"…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]