BEIRE - Flash's

A «fala» das nossas araucárias…

1. – Oh!, se soubéssemos ouvir o «sermão» das… Lembro o impacto naquela altura. Era a minha sensibilidade ao trans(as)cendente ou era o contágio da força de convicção do emissor?!... Não sei responder. Sei é que, a partir daí, ainda não parei de aprender a ouvir – as pedras, as plantas, as estrelas… E, sobretudo, aprender a ouvir as pessoas

Era ainda um jovem adolescente – a «encher(-se)»(1) das riquezas que o Escutismo, no Bonfim, e a Faculdade de Engenharia, da UP, estavam a despertar nele. Tanto que veio a dar um respeitável Prof de Engenharia de Minas e muito mais. A par de voluntário aqui no Calvário. Hoje, avô ternurento, está jubilado…

Lá no seu entusiasmo(2) pela Faculdade e pelos ideais do CNE, de que também foi alto dirigente, os acampamentos com ele enchiam-me de sonhos por um mundo que Singeverga já tinha iniciado em mim. E, enquanto pudemos, Isaurinha e eu sempre acompanhávamos os filhos nessas atividades do Agrupamento VI.

D. Teodoro Monteiro, que marcou o mundo da entomologia com o «museu das borboletas», em Singeverga, foi meu professor de Mineralogia. Acordou em mim o gosto pelas rochas e afins. Lá em casa, no sótão, há amostras de «calhaus raros»…

Ir com o Alexandre era aprender a ver e a amar o chão que pisávamos. Cada pedra, cada formação geológica… Alex não perdia pitada: – Olhem para aqui!... Descrevia, como só um entendido sabe fazê-lo. E sempre concluía, citando alguém: – Oh se nós soubéssemos ouvir o sermão das pedras!...

Não mais parei de escutar… E até já aqui vos falei das pedras do Calvário (O Gaiato, nº 2048).

2. Aprendiz na Arte de EscutarGosto de voar nestes espaços do escutar o viver, escutar o amor, escutar o que urge aprender, (…)(3). Agora, aqui no Calvário onde, ando a aprender a mover-me como «pessoa idosa»… Entre idosos portadores de deficiências. E dou comigo a "escutar a terra", "escutar o capim crescer"… Foi assim que me apaixonei pelo «sermão» das nossas araucárias…

Se não me escapou nenhuma, elas são apenas três. E nenhuma delas com o porte majestoso que bem conheço de outras. A mais novinha delas entrou aqui já pela minha mão. E nem sempre andou cuidada como agora a cuido. Oiço cada uma das três – com seu «sermão» bem diferente… Todas estão aqui por perto de casa. As duas que já encontrei, plantadas por Pe. Baptista, falam-me de «deficiência de condições», de «feridas de não-existência» daquele mínimo necessário para o seu desenvolvimento harmonioso… Aquela que eu plantei fala-me de «atrofiamento» por falta de cuidado nos primeiros anos, acrescida agora pela falta de um terreno mais favorável…

Ouço a «linguagem corporal» de cada uma. Escuto a voz do solo onde estão plantadas, a voz da luz/sombra que as envolve, a voz da água que só lhes chega quando chove… Ai o que eu ouço da 'boca' de cada uma!... A araucária que está mesmo aqui ao lado, debaixo de uma carvalha centenar, por detrás da emblemática cruz de ferro forjado que testemunha a Fé e o gosto artístico de Pe. Batista, coitada! É um testemunho vivo de luta pela sobrevivência – mesmo quando a vida não presta... Esquelética, envelhecida antes do tempo, infezadinha de todo – tal e qual estes filhos que Deus nos mandou… A outra, uns 50m à frente, meio perdida entre cedros mais velhos. Finalmente, conseguiu uma altitude que já lhe permite beber, bastante mais tempo, a força do sol … E toda ela, agora, lá no alto, viçosa, canta as aleluias da primavera. A terceira, a minha, que veio de Espanha, num vasinho, semeada por mão amiga (que já ultrapassou os 97 anos), tem um «sermãozinho» menos pior… O terreno é o mesmo das outras duas – impróprio para uma árvore destas… Mas, desde que a transplantei para aqui e passei a cuidar dela, vai-me dizendo do maior e ou menor cuidado com ela – mais verdita ou mais amarelita, a brindar-me, em cada ano, com uma rodada de quatro raminhos perpendiculares ao tronco, como é próprio da espécie… É o seu jeito de me falar da falta (ou não) de estrume, de regas, de a libertar das daninhas que atacam…

3. Nem só as araucárias falam… Porque me sinto um desajeitado aprendiz de «pessoa idosa», ausculto os «sermões» desta fase de mudanças no Calvário. Dividido entre o ir-me embora daqui e o deixar-me estar. Porque, para lá das «pequenas tarefas com que ainda posso ser útil», posso tornar-me uma presença enriquecedora. Como aliás qualquer residente. Sobretudo como «testemunho de paciência e bondade, serenidade, alegria e paz». Que é o tema das conversas com Pe. Telmo – quando, atacado pelo pessimismo que nada quadra com ele. Se o deixo, lá vem o ramerrame do «já não sirvo para nada; estou a roubar o lugar a outro doente que precisa mais do que eu; (…)».

A coisa não está fácil. Quando se nasce não se traz manual de instruções… Mas sinto a verdade desta informação: «A descoberta de si próprio pode tornar-se uma aventura apaixonante durante a vida inteira»…

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1 – Recordo a alegria vivenciada quando associei a palavra adolescente ao verbo latino «adolescere – encher»… Era um jovem adolescente – sedento por encher(-me) de «mais vida e vida em abundância"… Hoje, alegro-me que tal sede jamais me tenha largado...

2 – Só para lembrar: entusiasmo quer dizer «habitado pelo espírito de Deus»…

3 – Referência a um livro de Leo Buscaglia que me marcou – Viver, Amar Aprender.

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]