
BEIRE — Flash's
Nos noventa e oito (98!) anos de Pe. Telmo!…
1 — … Já é necessidade ou… é mimo?! É assim que gosto de lidar com Pe. Telmo: «A melhor ajuda que se pode dar a uma criança é nunca fazer por ela aquilo que ela já pode fazer; a melhor ajuda que se pode dar a um idoso é nunca fazer por ele aquilo que ele ainda pode fazer". Foi assim que, há dias, sucedeu isto, depois das Laudes(1). Todos foram embora e Pe. Telmo continuou sentadinho no sofá, num misto de sonolência e de contemplação. Sucede assim muitas vezes...
Passado um tempito, levantei-me, fiquei ali de pé a saborear aquela paz que só ele irradia para mim. Finjo um ataque de tosse... Pe. Telmo desperta, procura a filomena(2), e começa a tentar levantar-se. Mas porque estou ali de pé, diante dele, estende-me a mão, como quem pede uma ajudita… Não lha nego mas, já bem de pé, pergunto: — Isso é mimo ou já é necessidade?!... Sorri — como só ele sabe sorrir. Dispara, pronto: — Um miminho, de vez em quando, também faz bem!...
• Fico-me a ruminar a bênção do bom humor e da sabedoria deste homem aos 98 anos de idade. Lembro o velho ditado: O bom humor salva-nos das mãos do doutor. E dou graças por poder estar aqui a disfrutar desta bênção. Deus louvado!
2 — … Olhei-me: boneco pintado.- Em obediência a princípios que norteiam a minha vida, volta e meia paro-me a ruminar umas páginas de Pai Américo, de Pe. Telmo, de algum comentário ao Evangelho. É o meu jeito de "cuidar bem da mente, para que nela permaneçam só pensamentos de bondade"… Hoje, peguei no Mourela(3) pg 97 — António Preto (31.07.87). Aquele final dá-me um flash fiel de quem foi/é Pe. Telmo:
«(…) Entro (…). Ao tomar o café notei que a Maria e sua mãe estavam muito preocupadas.
Sabe, faltou o pintor para pintar o quarto da Maria que vai casar amanhã.
Então, ofereci-me para lhe pintar o quarto.
O senhor sabe?!
Tintas e pincéis e mãos à obra. Ficou pronto e eu branco de tinta.
A caminho do moinho, olhei-me: boneco pintado — e sorri».
Cada um que leia como quiser. Este é o flash mais genuíno deste homem — mistério empolgante, nos seus vitalizantes 98 anos.
— É um santo, dizem muitos. E eu, às vezes, também o digo — numa forma de falar um dom que não sei descrever… Conheço bastante bem Pe. Telmo. Sei o seu percurso de vida e lido com ele aqui todos os dias. Claro que também tenho os meus (pré / pre)conceitos sobre a santidade… Lembro um dito de Pai Américo: Os santos não se podem descrever. Os biógrafos nunca apanham o melhor… Nem o próprio o reconhece… Tudo coisas que facilitam e/ou dificultam qualquer tentativa de análise…
3 — Os doces mistérios da Fé… Agarro uma oportunidade e vou a Pitões das Júnias. Entro pela Portela do Homem. Já em Espanha, desço até Lobios e entro por Tourém. É ao fim da tarde. Atravesso a Mourela e deleito-me com aquela paisagem geresiana, contemplada a partir daquele(s) miradoiro(s). São 360º de encanto — perspetivas atmosférica, linear e cromática… Lembro E. Fabre: — Vejo-O em todo o lado!...
Já em Pitões, procuro a Casa do Preto. Tudo como Pe. Telmo poeticamente pinta. Sou recebido por duas senhoras que adivinho donas da Casa — duas irmãs: a Maria e a Albertina. Apresentado, digo do motivo que me leva ali. Disparo:
— Este nome — Pe. Telmo — diz-vos alguma coisa?!...
— É família, diz a Albertina. E logo a Maria: — Pintou o meu quarto na véspera do meu casamento… Comove-se. Falo da página 97 do livro Mourela — António Preto. Ainda mais comovida, e ao mesmo tempo orgulhosa pelas suas origens, aponta para um destacado retrato, ao centro da parede mestra da sala — É o nosso Paizinho!...
Voo até ao Rajastan. Na Índia dos grandes mosteiros. Em cada casa particular e/ou estabelecimento aberto ao público vejo o retrato de um guru(4) a presidir àquelas vidas. E logo me salta a minha litania — Deus louvado por maravilhas tais que opera entre esta gente simples!
Deixo a Casa do Preto. Baixo às ruinas do Mosteiro. Atravesso a ponte do Campesinho. Entro no velho moinho, já com forro e telhado novos! Ainda a mó, ao centro, e atrás dela um beliche com dois pisos… À esquerda, a mesinha de pedra — cozinha e altar onde Pe. Telmo se alimentava, no corpo e na alma… Revivo os meses que ali viveu e dali foi arrancado por Pe. Carlos — … ir tomar conta do Calvário — enquanto Pe. Baptista se recompõe de um excesso de trabalho…
Começo a entender — a santidade é a ciência, a técnica e a arte de ver a Deus em todo lado... E de O irradiar à nossa volta em mais vida e vida em abundância. Mesmo que isso exija parecer-se um boneco pintado de branco… Porque, «o importante é sermos crianças diante do PAI!!!» (pg 157).
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1 Oração Litúrgica da Igreja, a celebrar o nascer do novo dia…
2 A palavra filomena, em sua semântica, quer dizer amiga fiel… Um destes dias, foi assim que o bom humor do Prof Luís Amaral, brincando com Pe. Telmo, batizou a sua bengalinha de apoio — a sua Filomena, sua amiguinha de fiel apoio…
3 Mourela é um livro de Pe. Telmo, que nos pinta um mundo outro — a viver sozinho no velho moinho dos monges de Cister, em Pitões das Júnias…
4 Diz-se que, na Índia, «toda a gente tem de ter sempre presente: o pai, a mãe e um guru» — guia e mestre espiritual daquela casa, a indicar as melhores condutas para a vida…
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]