BEIRE — Flash's

… Vamos "acordar a aurora", no Calvário…

1 — O 'vento' sopra quando e onde quer… Este jeito de falar, que os evangelistas põem na boca de Jesus, sempre me encanta. A confissão de Bento XVI, já jubilado, de que «a descoberta do Jesus histórico, longe de me roubar a Fé, tem-me ajudado a consolidá-la», ainda me faz cair de joelhos. Porque me sinto em plena sintonia com esse grande Papa. Realmente, o estudo da Cristologia tem-me levado mais e mais a aproximar-me desse sedutor — que «é de ontem, é de hoje e é de sempre»… O sonho / a utopia, como «realidade do amanhã», está-me na pele. Sinto repulsa pelos profetas da desgraça… Jesus era um homem do seu tempo e da sua terra. Assimilou a cultura, social e religiosa, do povo judeu — a que pertencia e a que nunca renegou. O seu segredo foi ter aprendido bem cedo a "ouvir a voz do vento" sempre que "o vento" lhe queria falar…

Qual o papel que em tudo isso terá tido a Sua família"- que, hoje, celebramos como "Família de Nazaré"?! Parece ponto assente que "a família é a célula de uma sociedade" — fábrica de grandes 'santos' e/ou de grandes 'diabos'?!... Daqui a minha paixão pela Obra da Rua — tentar ser família para as crianças abandonadas na escola do crime, que toda a rua é. E fazer delas "portugueses de lei"…

O sl 56 que, segundo Santo Agostinho, «canta a Paixão do Senhor», desde há tempos anda cá a remoer. «Desperta, ó minha alma, despertai lira e cítara: quero acordar a aurora». Hoje o vento soprou para este lado…A dizer-me que a "grande paixão" de Jesus foi mesmo virar a mesa. Pegar no azorrague e expulsar do templo", o templo da vida dos homens por Deus amados… Expulsar todos os "vendilhões" que, a título de uma qualquer humanização, fazem da nossa terra não uma casa de família mas um covil de ladrões… E vejo o Papa Francisco a tentar ir por aí também — Laudato Si, Fratelli Tutti e, agora mesmo, Laudate Deum — para alargar os nossos ainda tão reduzidos horizontes de Ser

Este nosso Calvário, em reNOVA(a)ção acelerada, interpela-me, sem cessar. Vejo que o sonho de Pai Américo, naquele Portugal de 40/50, apareceu como uma palavra nova que se impôs. Pela resposta eficaz que trazia para certos problemas sociais mais gravosos. Que amachucavam os mais sensíveis.

Com a morte de Pai Américo, Pe. Baptista, ainda em plena juventude etária e sacerdotal, aceita o desafio e faz o sonho tornar-se realidade — a comandar a vida social daquele tempo… Havia que, ao menos, criar «um lugar onde cada padecente leve, sim, mas não arraste a sua cruz dolorosa». Um lugar onde «possa morrer com dignidade quem foi privado do direito a viver com dignidade» (Pai Américo, 1954).

2 — Isso de ser e não ser "ação social"… Com Abril de 74 (já lá vão quase/quase 50 anos…) as coisas mudaram muito. Sobretudo em matéria de Ação Social — entendida como cuidado com a saúde do cidadão. E essa, segundo os inquéritos prestigiosamente orientados, revelam que «a grande conquista de Abril foi o Serviço Nacional de Saúde»…

Ora, uma «ação social», já no sábio dizer de Pai Américo, «ou é também uma 'ação teologal'(1) ou não é coisa nenhuma». As "coisas" mudaram sim senhor. O Calvário já não é mais só "uma palavra nova" — também já é uma IPPS, devidamente legalizada como tal e com os efeitos e consequência que ISSO implica… E, sem deixar de ser uma IPPS, agora, passaremos a ser também uma ERPI. Não importa o nome. Só as pessoas desonestas(2) acreditam mais nas palavras do que na realidade. E é sempre esta a ditar as "leis" que obrigam a "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). Porque Deus e César não são inimigos — são dois servidores da humanização do homem, imagem e semelhança de Deus. Assim, a Obra da Rua ou Obra de Pai Américo, Casas do Gaiato, Calvário (com IPPS, ERPI, LR ou lá o que nos impuserem) nunca deixarão de ser o sonho, a loucura evangélica que marcou o seu fundador. O mal virá se, por falta de sonhos / loucura evangélica, a gente deixa "isto" cair "na vulgaridade das obras semelhantes"…

Os casos descritos por Pe. Baptista no 3º Volume de o Calvário, em sua maioria, já não são da mesma horripilância dos do 1º Volume. São também urgências, mas já de outro nível… Que hoje, cada vez mais, nos estão patentes. Há pois que estar atento. Os tempos / os ventos mudam. O segredo é ouvir "a voz do vento" como Jesus a ouviu e como, depois, Pai Américo aprendeu também a ouvi-la e a ser-lhe fiel…

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1. Importante tomar consciência de que também as palavras mudam – mesmo querendo falar da mesma realidade… O «teologal» daquele tempo é o «humanizador" de hoje. «Toda a ação social que não seja verdadeiramente humanizadora não é ação social nenhuma»…

2. Em Psicologia, quando se fala de 'honesto' e/ou 'desonesto', não tem nada a ver com a moral… Tem a ver sim com o cuidado ou falta de cuidado em ver, naquela realidade em questão, se os 'efeitos e consequências' estão ou não a produzir bons frutos. E não a ver se cumprem ou não as "leis estabelecidas", porque isso é farisaísmo…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]