BEIRE — Flash's

O Calvário, a Morte, a Carmo…


1 — Pode esconder-se, mas não se pode… Foi a 07.11.2018. Levaram-na daqui, contra sua vontade. A título de que "eles não têm querer" (sic)(1). Enquanto não se cumpriam as exigências legais, na sequência do afastamento temporário de Pe. Baptista, foi-me pedido o impossível — sub+stituí-lo, ad tempus. Tudo aconteceu durante esse mandato. Posso falar do que vi e ouvi. Claro que (as) chaves de leitura cada um terá as suas…

Estou a ver a cena. Foi de manhã, sobre as 09h. Chuviscava. Estava na Casa dos Rapazes. Chamaram-me para receber o grupo (oito, ao todo!). Era uma inspeção do ISS, presidida por uma Sra. Inspetora, com cara de sargento da guarda, a quem todo o grupo vergava a cerviz. Queriam ver e ouvir — tudo e todos. Andei com elas, a mostrar… Depois, quiseram ficar a sós — para ouvir cada um/a. Estiveram um dia inteiro a mordiscar lacunas. No fim, convocaram uma reunião com o Diretor da Instituição. Porque eu era somente um sub+stituto, chamei Pe. Júlio — Diretor da Obra da Rua, de que o Calvário é uma valência. Era já sobre as 17h, daquele mês de novembro. Enevoado. O escuro já espreitava. Uma vez reunidos, comunicam-nos a decisão — fechar a Casa imediatamente. E, dentro de ½ h estaria ali todo o arsenal bélico necessário para levar o pessoal aqui residente. Pasmados, desorientados, boquiabertos, lembro que ainda perguntei, não sei a quem: — Então, agora, o nosso papel é irmo-nos embora?!… Eu voltaria a minha casa. Pe. Júlio voltaria para Paço de Sousa. D. Lúcia, então a Mãe da Casa, ainda tentou falar da injustiça do assim sem mais nem menos, nem um aviso nem nada. Parece que já estava tudo preparado… De nada valeu. A decisão estava tomada e foi-nos comunicada — sem sermos tidos nem achados… Doentes tratados como gado que se muda de estábulo…

O que então se seguiu mostra as lacunas do lado do ISS a somar às lacunas do lado do Calvário. Mas de lacunas, assim de repente, ninguém sabia falar. "De boa fé", no meio das artimanhas que foi preciso usar para desencadear o pro+cesso, levaram os doentes que não resistiram. Ainda "de boa fé", também nós não resistimos à "autoridade" — quem manda pode…Como se não soubéssemos do pecado contra o direito /dever de manifestar a nossa indignação(2)

Isto pode esconder-se, mas não se pode ignorar. Para que não volte a acontecer…

2 — O cancro do "evidentismo"… Cá nas minhas cogitações, volta e meia preciso de inventar uma palavra para tentar traduzir algo que, dentro de mim, ganha uma nova luz. Aconteceu, hoje, com a palavra evidente. Mesmo que vagamente, todos lhe conhecemos o significado. E+vid(e)nte é algo (uma coisa!) que, a partir de fora (ex), se deixa ver, se nos impõe. Assim, como que n'um basta ter olhinhos para ver… Só não vê quem não quer. É evidente!

Neste meu processo de conceituação, acabei por ligar as palavras convicção e evidência — porque, é das experiências do quotidiano que as nossas convicções, uma vez arreigadas em nós, funcionam como evidências — coisas de que até dizemos que só não vê quem não quer ver… Porque está interessado em não ver…

"De boa fé" (cumprindo a lei…), levaram [alguns] dos nossos doentes; "de boa fé" (cumprindo também a lei…), deixamo-los ir [alguns], sem contestarmos… E o "pecado(3) de omissão" que, de um e de outro lado se cometeu, ninguém o viu. Aditos do evidente!…

Claro que é evidente que "a lei é para se cumprir"; claro que é evidente que é contra a lei resistir à implementação da lei. Até gostamos do dizer em latim dura lex sed lex… E ponto final. Como se não houvesse mais nada a considerar. A re+fletir(4).

Ai quantos caminhos não andados continuam à espera por alguém!… Caminhos novos que é preciso abrir para que a Lei (como díade do direito/dever) saiba conjugar-se aonível dos 4 verbos que a ela presidem e a tecem: amar, sofrer, lutar e vencer.

3 — As nossas leis (se não re+fletidas) fazem disto… Quando no-la levaram, todas as previsões iam no mesmo sentido: — Se a não vão buscar, ela não vai resistir. Resultado: Esperou, esperou, com a "paciência de Deus". Foi definhando, definhando, até que… Hoje (01.08.23) foi o seu funeral…

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1 — Isto, dito assim, pela boca de um membro do ISS, no exercício de suas funções n'um serviço de humanização, fortalece a minha convicção (evidência!…) de que não são os títulos académicos que nos dão a COMpetência que é preciso ter para ocupar aquele lugar… Os títulos académicos podem ajudar-nos, mas jamais podem substituir-nos n'aquilo que, por sua natureza, vai mais além do meramente cognitivo/intelectual — que é o que a Academia pode dar… Parece que o cancro do evidentismo também ataca por aqui…

2 — Já aqui falamos do direito a indignar-se — Indignai-vos, de Stephane Hessel, ed. portuguesa, com prefácio de Mário Soares.

3 — Insisto: O pecado é um fruto peco dos nossos comportamentos irrealistas, inadequados, estereotipados… Tudo fora do real — o respeito pela d'IGNIdade devida aos indivíduos que foram levados e à instituição que os acolhia…

4 — Já não sabermos distinguir bem uma res extensa e uma res cogitans — distinguir uma coisa material (res extensa) e uma pessoa (res cogitans) — alguém que pensa.

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]