BEIRE -Flash's

As 'memórias do coração' falam-nos de…

1. Um 'fazer memória' pode ser... Encanta-me o estudar as minhas 'cabalas mentais1' e as daqueles que me cercam. Isso ajuda-me a entender melhor as minhas próprias 'cabalas' e, sobretudo, a entender as minhas / nossas contra+dições. Isso que, em cada um de nós e sem darmos por isso, deixa escapar para o exterior os mistérios do bem e do mal que trazemos dentro... Daí a minha necessidade de rezar em cada manhã: - Hoje, quero ver Teus filhos por detrás das aparências, como Tu mesmo os vês, para assim poder com+TEMPL+ar a Bondade de cada um. Fazer memória das doces 'memórias do coração' pode ser, pois, um doce descongelar aquela 'vida' de que também já fomos/somos parte. Para, agora, continuar a alimentar-nos dela. Porque, sem a presença amorosa de alguém que no-lo capte, o guarde e dele faça memória, a dar-lhe vida, até o nosso sorriso mais bonito morre inerte nos nossos lábios...

Daí também esta minha paixão por ir ruminando aquilo que Pai Américo, veladamente, nos deixou escrito sobre as fontes d'aquele segredo que comandava todo o seu jeito de ser e de estar nesse e com esse mundo que lhe coube em sorte. Um mundo em que Deus, servindo-se da pureza de coração daquele inquieto Amériquito, queria intervir. Para nos salvar, nos saud+ar. Revelando-Se nessa palavra nova com que a Obra da Rua se abriu ao Portugal de então. É com renovado prazer que, pouco a pouco, vou ruminando aquele seu jeito de viver neste mundo. Sem se deixar levar por ele. Como quem sabe que, enquanto cá se está, há que saber estar com ele, mas sempre a 'livrar-se do mal' para onde esse mundo de fogos de artifício (...) sempre nos quer empurrar
(Jo 17, 15).

2. O Calvário foi a luz que... Servindo-me do e-mail desconhecido de que falei no último jornal (n.o 2010), peço mais 'memórias'. Recebo: "Ouvi falar da Lúcia numa reflexão da manhã, na Rádio Renascença. Se bem me lembro, 'uma invisual, de nome Lúcia, residente no Calvário, em Beire, substituía a cozinheira ao fim-de-semana'. Sei que aquelas palavras ressoaram dentro de mim como quem sente um sopro... Quis ir até lá. Pedi ao P.e Baptista que me recebesse, que me aceitasse como voluntária, sempre que tivesse um tempo disponível. Acontece que P.e Baptista acabava de perder um grupo de voluntários que se passaram para o hospital. Talvez por isso acedeu ao meu pedido. Fazia o que calhava e... se calhava: Conversava e lia a quem estava acamado, aceitava e retribuía os abraços pedidos, deitava a mão na lavandaria... Às vezes nos banhos. Ouvia as suas histórias de abandono. Comovi-me com pessoas rejeitadas pelas famílias e pela sociedade.

Tive assim a oportunidade de conhecer e acompanhar a Lúcia, essa indiana pequenina, engraçada no seu português de sotaque "inglês" a quem ouvi pedaços de uma vida ora feliz, ora nem por isso... Falou-me das paisagens do Quénia, de Goa, do seu casamento, de ser abandonada pelo marido quando começou a perder a visão... Da madrinha de casamento, também indiana. E dos seus dois filhos, de quem tanto gostava, mas que estavam longe...

Andou pelas ruas de Lisboa sem destino... O Padre Baptista recolheu-a no Calvário. Devolveu a esta mulher a alegria de viver, a possibilidade de amar de novo, de forma incondicional! Lembro-me bem do seu riso e das suas brincadeiras marotas! Parecia uma formiguinha com radar, sempre atenta a todos à sua volta! Muitas vezes ralhava com quem não cumpria as suas tarefas. Mal sentia o Padre Baptista aproximar-se, via o sol. Sabia o nome de todos e as "manhas" de cada um. Em silêncio, amava-os incondicionalmente".

3. Também a Comunicação Social é uma... Nem tudo coincide exactamente com os apontamentos de P.e Baptista. Mas há uma coisa que daqui se me impõe: é a força da Comunicação Social e o papel que o Calvário tem representado na vida de tantas pessoas. De Norte a Sul do País. Aquém e além fronteiras. Como resposta às múltiplas necessidades de uma verdadeira Acção Social que, como Pai Américo sempre insistia, 'ou é Acção Teológica ou não é coisa nenhuma' - porque todo o homem é um TODO, tecido de imanência e de trans(As)cendência. Talhado para ir Mais Além...

A Comunicação Social trouxe-nos uma voluntária. Anunciou ao mundo um Calvário onde se fazem milagres, com 'uma invisual'. E a mesma Comunicação Social nos levou voluntários, nos levou 'uma invisual' e o mais que... Cabalas de contra-dição... A pedir quem queira aprender a dar-se as mãos para que se torne consciente2 aquilo que pode virar destino...

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1 - Isto de chamar 'cabalas mentais' a esse 'aparelho ideológico' que, quase inconscientemente, se nos vai incrustando na cabeça, encanta-me. Porque, se não cuidamos bem d'isso, acaba mesmo por funcionar como um 'activador clandestino' que pode dar cabo das nossas vidas.

2 - O alerta de Lacan. Aquilo que não se torna consciente vira destino...

Um admirador