BEIRE - Flash's

O Beijo do Sol

1 - Juntam-se para o beijo do sol... O covid-19 também traz coisas positivas. Fui apanhado por ele e preciso de 'confinar-me a quatro paredes'... Aproveito para educar-me a saber olhar. Lembro um exercício que era proposto nos cursos de Belas Artes - passar o maior nº de horas possível numa caverna, a ver a mesma paisagem em diferentes horas do dia. Um simples raiozinho de luz pode servir de interruptor - para ver tudo com outros olhos... Tomado o pqnalmoço, detenho-me a observar a vida que pulsa dentro e fora de mim. Sinto-me vida na Vida! Convidado a acolher aquele bocadinho da Revelação que chega até nós via Jo 10.10 - Vim para que tenham mais vida e vida em abundância! Aclaro-me: - Vim para acolher a vida que me é doada e para, a partir dela, me irradiar em sempre MAIS VIDA...

É inverno. A nossa aldeia dos doentes prepara-se para acolher o beijo do sol que, a esta hora, ainda anda baixo. Entretanto, perscruto o horizonte que da janela me é dado. Vejo que o sol já se passeia pelo cocuruto das árvores. Espreito, a ver se eles já lá estão. Porque, habitualmente, em dias de sol é assim. Mesmo no topo bem mais alto daquela tuía - uma conífera, da família dos cedros - que é o orgulho das plantações primeiras de P.e Baptista. Está ali à esquerda de quem entra pró Calvário. Como que a dar as boas vindas. - Se vens por bem, entra. Para, em comunhão connosco, botar mão ao remo e nos fazermos ao largo (Lc 5, 1-11). Fiéis ao impulso que nos vem da certeza de que Deus quer, o homem sonha e (est')a obra nasce. Tudo tão ao gosto de Pai Américo, no atirar-se para o mar alto...

Pelas cicatrizes ainda patentes, vê-se que, ainda jovem, algum vendaval já lhe levou um braço forte. Assim decepada, atirou-se para os ares e, mesmo velhinha, é uma tuía que convida P.e Telmo a exclamar, cada vez que passa por diante, a beber da beleza deste bosque sagrado em que o Calvário é. - Olhem-me as linhas daquela árvore! A Natureza espanta-nos. Bonita como o sol.

Eles já lá estão - sem luta por um território próprio. Nada disso. À medida que chegam, vão-se ajeitando no espaço que resta. Numa doce congregação de solitários - rolas, estorninhos, pombas, melros, pardais, ... Todos em silêncio contemplativo, voltados para o sol que nasce. Parece até que ouço a sua oração da manhã em louvor da Criação. E louvor deste nosso Calvário - (...) tirado do Evangelho...

Sinto-me tocado e desço o meu olhar até cá baixo. Ali por onde andam os nossos rapazes e os nossos doentes. De máscara e a respeitar as 'distâncias sociais', requeridas por lei e exigidas pelo bem comum desta pequena comunidade.

2 - O beijo de um Outro Sol... Estamos no Advento. Preparamo-nos para celebrar sacramentalmente a chegada d'Aquele que, das alturas, nos visita como sol nascente (Lc 1, 67-79). Olho o formigar da vida dentro dos nossos muros. Enternece-me este mistério da Obra da Rua - Calvário. Apetece-me gritar aos poderosos deste mundo passageiro. Esquecido de que foi criado para dar passagem ao mundo eterno. Delicio-me no que vejo: gostava saber filmar tudo e ter o poder (que nem Deus tem...) de fazer ver, com os olhos que a terra há de comer, aquilo que, sei-o por experiência própria, só os 'olhos da fé' conseguem ver e fazer-me deliciar assim.

Deixo o filme a rolar por dentro, em imagens que vou gravando à medida que o tempo passa: (...) doentes, atarefados, a servirem outros doentes, esquecidos de que também eles precisam de ser servidos. Mas dão prioridade a outros mais necessitados. Vejo também doentes que, sem disso precisarem, se fazem servir, mesmo vendo que há outros a precisar mais da ajuda de quem os serve. Desfio nomes e tarefas. Ouço a parábola do trigo e do joio (Mt 13, 24-30). Recordo vidas com quem já me cruzei. Ele tocou-me, servindo-Se delas para chegar a mim...

3. - A velhinha daquele bairro... Era a festa dos seus 85 anos. Uma TV convidada entrevistou a velhinha. À pergunta clássica do que conselho daria às pessoas da sua idade, sai esta resposta:

- Bom, na nossa idade, é muito importante não deixar de usar todo o nosso potencial; de contrário, ele enferruja... É muito importante estar com as pessoas e, sempre que possível, ganhar a vida a prestar algum serviço. É isto que nos mantém com vida e saúde.

- Posso perguntar-lhe o que é que faz para ganhar a vida, na sua idade?

- Cuido de uma velhinha que vive aqui perto de minha casa...

Salta-me o sonho de Pai Américo, tão bem agarrado por P.e Baptista: Obra de doentes, para doentes, pelos doentes. Releio páginas escaldantes que, em qualquer dos três volumes d'O Calvário, a pena de P.e Baptista soube eternizar para nós acordarmos do crime que seria deixar ISTO cair nas mãos da vulgaridade das obras semelhantes, em que só os funcionários é que podem...

Não podemos ir por aí. Nada de 'pronto a vestir'. Com nossa Fé, aquecida pela nossa 'inteligência sensível' e o nosso 'coração inteligente', (1Reis 3), havemos de ir encontrando respostas à medida...

Um admirador