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Vidas que são "Proféticas",,,

Nos cursos de teologia abordamos o "profetismo em Israel". E a sua comparação com o profetismo fora da cultura hebraica. Coisas que me encantam. Foi assim que o meu conceito de "profeta" se foi alargando. Deixei-me daquelas tontas questiúnculas — porque é que, naquele tempo, Deus "falava" a esses "profetas" e, agora, já não "fala" assim a mais ninguém?! Porque é que Deus revelou "isso" a fulano ou sicrano e não mo revela a mim?!... Então, é verdade ou não que "junto de Deus não há aceção de pessoas" ou, se há, é a escolha dos «mais pequeninos" e não dos "sábios e inteligentes" (Mt 11,25-27)?!

Rumino a teologia, a filosofia e a psicologia – três "ciências de uma só e mesma coisa"… Porque todas elas, afinal, tentam responder à velha questão que ainda paira no ar: — O que é o Homem?! O que é isso de «homens por Deus amados» (Lc 2, 14)?!

1. No rescaldo dos 100 anos... Desde há 11 anos que, aqui no Calvário, comvivo de perto com P.e Telmo. A celebração dos seus 100 anos de vida, neste seu jeito original de estar-no-mundo, tem-me servido de reflexão(1). Nesta minha «busca de um sentido para a vida» — esta «vida» que é a «minha», aqui e fora daqui, onde ela me vai colocando…

Há dias, nas minhas leituras e cogitações, parei-me frente a esta afirmação de um grande estudioso da Sagrada Escritura: «Profeta é aquele que vê mais além das aparências»… No silêncio e quietude que tanto preso, deixei-me voar por aí fora — pela Bíblia Sagrada, pelas culturas ao seu lado, pelos tempos do nosso tempo. Pai Américo e a Obra da Rua que ele nos legou, logo me apareceram. De mão dada com os primeiros Padres da Rua que a ele se juntaram. Como que a dizer ao mundo: Alertados por Pai Américo, agora, também nós vemos tudo isto que ele vê e tenta mostrar a quem ainda tenha olhos para ver… Por isso queremos juntar-nos a ele.

Caminharam juntos na criação de soluções pontuais para este problema social que estava a denegrir e empobrecer Portugal inteiro. Com Pai Américo, levaram a Obra por diante. Com ele ofereceram a vida por esta causa – buscar soluções, ainda que só pontuais, para o problema do abandono («social» e «eclesial»!) que afligia a Sociedade de então. Porque, em cada criança que se perde nas escolas do crime (e elas são tantas!)é um «português de lei»(2) que se está a perder…

Logo no ano da 1.ª edição (1960), conheci O Lodo e as Estrelas — retirado pela PIDE. P.e Telmo Ferraz era-me um ilustre desconhecido. Mas o livro abanou-me… Em 1962, encontramo-nos na Casa do Gaiato de Miranda do Corvo — ele já a 'estagiar-se' para a fundação da Casa do Gaiato de Malanje. E eu, ainda de volta de mim, em busca de «um sentido para a vida»… Sem perceber de vidas que se vão tornando «proféticas» — ao ver «para além das aparências»… P.e Telmo já palmilhava por aí. E, ao passar por mim, deixou rastos…

2. A memória de Pe. Manuel António... A 6 de dezembro de 2020, deixou-nos. Chegara a sua hora. Mas a sua «vida profética» continua a bulir na vida de muita gente. Dos que passaram pela Casa do Gaiato de Benguela, por ele fundada. E, ainda, na vida de tanta gente que foi 'tocada' pelo seu jeito de ver o rosto de Deus em cada criança abandonada e/ou em cada pessoa caída que não consegue levantar-se sozinha…

O ano passado, no aniversário da sua passagem para Casa do Pai, o nosso Jornal publicou testemunhos de rapazes que, na Casa do Gaiato de Benguela se fizeram «homens de lei» — briosos de terem sido gaiatos… De tal modo isso me tocou que até comecei a alinhar uma crónica sobre esses e outros testemunhos de gratidão que a Obra da Rua continua a receber...

Este ano, porque a data coincidiu com os ecos da celebração dos 100 anos de P.e Telmo, no Calvário a data foi particularmente assinalada. P.e Alfredo, na Eucaristia, convidou D. Teresa e D. Esmeralda (Senhoras da Obra, em Benguela) a partilhar connosco algo que as tocou na sua relação quotidiana com Pe. Manuel.

Ouvimos também Pe. Telmo. Destaco o seu testemunho: Malanje e Benguela distam uns 700 km. Mesmo assim, os dois timoneiros da respetiva Casa do Gaiato trocavam entre si o que mais fazia falta na outra Casa e que podiam dispensar. Cada um partia de sua Casa, com as camionetas carregadas. Encontravam-se a meio caminho. Faziam ali a sua reunião de Padres da Obra, trocavam bens por bens — à maneira dantes — e regressavam felizes à Família que escolheram como sua «pátria do coração»…

3. ReCorDar é 'dar de novo'... Paro-me. Vejo P.e Baptista, já nos seus 95 anos. Único sobrevivente dos 'apóstolos' que trabalharam com Pai Américo. Toca-me a sua coragem, humildade e inteligência. Vem aqui ver-nos. Vem celebrar connosco os aniversários mais significativos — o seu e de Pe. Telmo.

Sabe dar o lugar a quem vem render os que já estão cansados… Com ele, trago à memória — P.e Carlos e P.e Horácio (guias do meu percurso), P.e Manuel António, P.e Luís Barata, P.e Abraão, P.e Acílio e P.e Zé Maria. Gosto de os olhar (recordar)(3).

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1. Quando, na palavra refletir, destaco o re, sempre tenho em mente chamar a atenção de quem me lê para o específico da realidade que se pretende analisar…

2. Esta bonita 'imagem literária' de Pai Américo também me sabe a «profecia» - todos nascemos crianças; depois, tudo depende do seu desenvolvimento e do rumo que tomar…

3. Recordar (reCORdar) é dar ao CORação uma nova oportunidade para «amar outra vez»…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]