BEIRE - Flash's

Uma REALEZA de "outro mundo"...

Na minha leitura, o Calvário que Pai Américo sonhou ainda não atingiu a sua plenitude… Em relação ao Património dos Pobres e Casas do Gaiato, Pai Américo disse-nos o seu sonho – que cada paróquia cuide dos seus pobres e que chegue um dia em que as Casas do Gaiato não sejam mais precisas – porque essa degradação social que lhe deu origem já desapareceu… O que nos disse em relação ao Barredo (lugar de mártires e de santos) também vale para o Calvário… Porque aquele «pobres sempre os tereis convosco», posto na boca de Jesus, traduz uma realidade social que não contradiz, em nada, o Seu Reino de Deus / Reino dos Céus… Há é que ir criando uma sociedade em que ninguém – pobre ou rico - fique de fora para, quando precisar, ser tratado com toda a d'ignidade de um filho de Deus...

1. Ser ou não ser "anti-evangélico"… Gosto de saborear os «comentários» ao Evangelho do dia. Faz parte do meu «pão que o Pai do Céu, hoje, nos dá». Claro que cada comentador é só «mais um" comentador. Mas, como em tudo, 'há comentadores e comentadores'... E cada leitor escolhe segundo os seus gostos. Hoje é o Domingo de Cristo Rei. Um comentador que aprecio muito particularmente, baseado no texto de Mt 25, 31-46 (tive fome e deste-me de comer), dá este título ao seu comentário: «Chamar Rei a Jesus é anti-evangélico»… Claro que, à luz dos Evangelhos tomados à letra, apresentar Jesus com uma coroa de ouro na cabeça, um cetro de prata na mão e um manto sumptuoso, é querer o que Jesus declarou que não quer – ser um rei à maneira deste mundo… Ele foi bem clarinho: «O meu reino não é deste mundo»… E toda a Boa Nova é o anúncio de um «outro reino» que, segundo Ele, até «já está no meio de nós». Chamou-lhe «reino de Deus», chamou-lhe «reino dos Céus». Tudo a dizer: um outro jeito de «estar neste mundo», sem «ser deste mundo». Aqui é só para cuidar de que todos, todos, todos se respeitem mutuamente. Segundo a sua d'ignidade de filhos de Deus e/ou homens por Ele amados

Estamos na «celebração da Eucaristia». Olho à minha volta e tento ouvir a voz silenciosa do meu ser-no-Ser. Esse 'Ser' que, no Monte Sinai, respondeu a Moisés: «Eu sou Aquele que É». Sem «antes» nem «depois». «É». Aqui e agora. Para que cada um de nós possa «estar-a-ser» - no Seu Ser - ao serviço de todos, todos, todos…

De olhos fechados, olho para o Calvário com olhos novos. Em tudo vejo uma verdadeira "realeza". Mas "de outro mundo". Não "do outro mundo" porque, do que vamos sabendo, lá, «no outro mundo»,não há Calvário, nem IPSS nem ERPI…

2. O banquete do "Abraço da Paz"... Chegado o momento do 'Abraço da Paz', frente a uma cena que sempre me toca e me inquieta, dou comigo a «comentar» também os Evangelhos do Reino… Assalta-me todo o capítulo 13 de S. Mateus. Sem nos dizer nunca o que é o «reino dos Céus», o «reino de Deus», Jesus não se cansa de tentar 'explicar' como fazer para que um tal «reino» se vá instalando aqui e agora.Jesus não é de teorias... Vai dizendo que «é semelhante a um grão de mostarda…» e também «é como um banquete…».

Fico-me na imagem do «banquete», sabendo que, na cultura em que Jesus Se movia, «o banquete era a grande prova de 'inserção social', de amizade, de tolerância e aceitação, de proximidade». Jesus fartou-se de convidar e de aceitar convites para Se «banquetear» com os seus amigos mais chegados. E foi até num «banquete» que «a pecadora» O procurou para Lhe testemunhar toda a sua gratidão pela reviravolta que, graças a Ele, já dera na sua vida (Lc 7,36-50). E é no «abraço da paz» que, em cada Eucaristia, eu vejo «o banquete»… Já o referi nestas páginas. @s noss@s mais atrasadit@s, como que num ato de inteligência do seu ser profundo, intuem que esta é a sua oportunidade de ir ter com um 'irmão' (mesmo com grande deficiência) para, numa paralinguagem que nem sempre é entendida, nos gritarem a todos nós: é a minha fome desta fraternidade que me traz a ti…

Desde o seu início (1956), o Calvário tenta ser uma resposta(1) a esta inadiável fome de sobrevivência

3. — Conhece alguém que não seja assim?!... É ainda à luz do Evangelho que tanto gosto de brincar com Pe. Telmo. Fruto da "cultura religiosa" do seu tempo, volta e meia, deixa-se cair no 'miserabilismo' que a má leitura do «publicano e do fariseu» divulgou nos meios ditos 'religiosos': «Não sou digno destes mimos. Eu sou um pobrezinho! Eu sou um pecador!...». No meu dar-lhe o braço para nos deslocarmos «amparando-nos um ao outro», gosto de lhe segredar ao ouvido:

Conhece alguém que não seja pecador?!... Rimo-nos. E a conversa vira para o «todos somos pecadores… E todos somos santos»… A diferença só está nas 'medidas'…

— Então, o que temos de fazer é só 'estarmos atentos às medidas'...

Pois. Se a gente não vigia o prato da balança… O saldo da conta… Às tantas cai-nos em cima um cheque careca!...

Rimos um com o outro e lembro o nosso consagrado Gil Vicente… Naquele tempo, com o seu Teatro Sócio Religioso, a rir a rir, lá ia dizendo o que era urgente ser dito... Para educar o pensar torto. Que é importante pensar direitinho

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1. RESposta = uma tentativa de uma «obra social» que responda às necessidades base de quem ainda não foi atendido pela sociedade a que pertence - por direito próprio…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]