
BEIRE - Flash's
O Outono está a começar. Saio do quarto e vejo o sol a espreguiçar-se, lá por detrás do Sameiro, de Penafiel. Já anda a beijar as cristas mais altas dos cedros e das carvalhas onde o Calvário é. E, porque é domingo de manhã, acolho esta «oportunidade» que nos é dada para parar-nos de nossas correrias diárias. Parto à descoberta das maravilhas que o nosso Criador, em cada manhã,tem para nos revelar(1).
1. A experiência, daquela manhã… Já bem acordado para a beleza que se me entrega assim por fora, fecho os olhos para descobrir outras tantas maravilhas que, no meu por dentro, também me vão sendo reveladas. Ouço aquele cucurruhu, sempre igual e sempre novo, das nossas rolinhas brancas. Que, de três que vieram, já vão em oito. E um ninho cheio de ovinhos à espera do momento de partir a casca… Para que se nos vá revelando, ao vivo, o insondável mistério da vida. Mistério já sugerido pelo 'divino mestre': «Eu vim para que tudo tenha vida e vida em abundância». Fico-me a ruminar. Vejo e ouço este naipe da 'orquestra de Deus' a tocar para mim – cucurruuu! cuhuhuhu!…
Deixo-me a ruminar na misteriosa realidade que dá pelo nome de «vida» – zoé, biós, psique, anima, ruah…(2) Ouço Jesus a anunciar a Sua Boa Nova. A ser seguido e a ser rejeitado. Ontem e hoje. Tento ver-me onde estou eu – na minha verdade real, comigo e com Ele. Muitas contradições. Mas sempre em busca de «mais vida e vida em abundância». Na certeza de que isto não se pode ensinar a ninguém. Mas pode aprender-se. Por ensaio e erro. Naquele vai-vem do ouvir-se por fora e por dentro, ouvir os outros, partilhar-se com quem também anda em busca. E dou graças porque ainda não perdi o rumo – a Casa do Pai…
Volto ao meu vai-vem – de dentro para fora e fora para dentro. Sem nunca parar. Vejo a história daquela bonita 'residencial' (aviário!) dos faisões e das rolinhas brancas. Aquilo não é uma 'gaiola' que rouba a liberdade de voar – é um espaço arejado e limpo. Um lugar que, hoje, fala alto dos cuidados especiais da Julieta (a seguir à Céu, depois que um "social vendaval" a levou daqui, a 07.11.18). E fala também da inconfundível arte do 'arquiteto' que mora em Pe. Baptista. Ouço o «venha ver os passarinhos» – da Céu e da Julieta. E, sempre, um sorriso nos olhos de Pe. Baptista: – Os doentes precisam de beleza e de ar puro. É por isso que a esperança de vida, aqui no Calvário, é mais alta que…
2. Nascidos para "alargar" os nossos… Deixo-me embeber pelo que diz a neurociência. Confirmada por outros estudos da neuroimagem, sobre a luz da manhã. «Estimula a produção das 'hormonas da felicidade' – a oxitocina, a dopamina, a serotonina e a endorfina»… Descongelo muitas das minhas experiências vivenciadas lá longe e que, agora, se me descongelam e voltam a ter mais vida – lidas a esta nova luz…
Sonho com uma cultura menos inculta do que aquela em que nasci. Mas de que, graças à mão libertadora de uma Igreja dos Pobres, comecei a tomar consciência dos perigos que me habitavam. Porque "moldado" pelo destruidor «pobre não tem querer» e/ou «quem nasce para cinco não chega a dez», porque «é o destino da pessoa». E, pior ainda, aquela de que essa «é a vontade de Deus» a nosso respeito – como se pudesse haver um Deus «só para os ricos» e que não seja «mais vida e vida em abundância». Para todos, todos, todos… Ai quanto me sinto grato a todos esses «anjos da guarda» que me foram libertando do inferno da ignorância…
De um "saber cognitivo", fui passando àquele «saber de experiências feito», que se nos entranha até já fazer parte do nosso Agir Essencial. E foi assim que aprendi que, por nascimento, todos estamos talhados para aprender a «alargar os nossos campos de consciência». A nível individual e comunitário. Também num Calvário – palavra nova.
3. Um "Calvário" não pode parar de… Muito perto dos meus 80, quando me julgava já «fora de combate», vejo-me chamado a dar uma ajuda aqui no Calvário, numa emergência ocasional. Mal sabia eu que esse meu «sim» (apressado?) iria virar na maior ajuda que alguém pode receber – uma Comunidade, onde se reza, se ri e se sonham 'caminhos não andados'. Porque, com doentes e rapazes deste tipo, se não se reza, se não se ri e não se sonha com «mais vida e vida em abundância», para este mundo de hoje, aqui e agora, não há «hormonas da felicidade» que resistam. Porque sempre cairemos na «vulgaridade das instituições semelhantes». Precisamos do «sopro divino» desse «Ruah» que sempre nos puxa para diante – de cara alegre e coração agradecido. Sem a dependência de 'orçamentos de Estado'.
Todos somos chamados a buscar 'novos horizontes' de ser-Calvário. Sem perdermos o Eixo do Essencial que nos foi legado. Não há 'manual de instruções'. Há quearriscar. Fazer-nos ao largo – duc in altum…
Como o sol que, em cada manhã, mesmo que o espetador esteja a dormir, não deixa de lhe oferecer o seu espetáculo…
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1. Revelar é… acender uma vela que faça alguma luz sobre uma realidade que nos parece 'misteriosa'…
2. Na Bíblia, este Ruah fez com que o nada inicial (o caos!) virasse superabundância de vida – sempre em evolução até um «reino de Deus» / uma «Casa Comum da Humanidade» em que ninguém fique de fora…
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]