BEIRE - Flash's
(...) Um pôr do sol feliz...
Quase lembro onde e quando vi aquela «oração do envelhecer». Era bastante jovem e andava de lado para lado, em instituições de «3ª idade» e grupos de «pessoal de apoio ao domicílio». Andava a 'pregar aos peixes', sobre a «importância das relações intra e interpessoais». Coisa também muito im+port+ante1 nessas instituições e nesses grupos… Mas hoje, estou mais com o Papa Francisco - «o tempo da 'pregação' já passou. Urge criar um dinamismo evangelizador [humanizador!...] que arraste por atração».
1 — Minha mão na Tua mão... Vai já muito lá atrás, num livro sobre Pedro Jorge Frassati – «o jovem das 8 Bem-Aventuranças», canonizado juntamente com Carlo Acutis, no dia 07 deste mês e ano. Foi o meu herói da juventude. Que nunca mais esqueci. A ele fui buscar o nome do meu filho mais velho… Porque registei que ele tanto gostava de fazer isso, entranhei o hábito de alterar as minhas orações de trazer a cotio – para fugir aos perigos da rotina. «Esse monstro que tudo devora», no acertado dizer de Balzac. E quando, mais tarde, me deparei encantado com a «oração do envelhecer», logo dei comigo a fazer-lhe o mesmo – pô-la «a meu jeito, para rezar comigo»… Em cada versículo, como que em refrão, introduzi a fórmula «minha mão na Tua mão». Que também fui buscar a «Ma main dans Ta main», último livro de Pierre L'Ermite, grande colunista semanal do La Croix que, aos sábados, tirava mais 15.000 exemplares por causa das suas crónicas… Era amigo de Mons. Pereira dos Reis, que eu acompanhava, como aprendiz de enfermeiro…
O penúltimo versículo dessa preciosa oração reza assim: «Minha mão na Tua mão, é contigo, Abba, que eu quero aprender a fazer dos últimos dias da minha vida mortal um pôr do sol feliz, na oração e na caridade, na compreensão e na esperança». Delicio-me com esta imagem literária sobre a velhice – um pôr do sol feliz!... Fiz dela o meu plano de vida para os «últimos dias da minha vida mortal». Porque me fala de uma felicidade até ao fim e de uma «outra vida» que, não sendo já «mortal», me lança nos braços de uma Fé que bebi ainda no ventre de minha mãe - «a vida em comunhão com Deus, fonte de vida eterna».
2 — [...] Fui fazer uma visita a Jesus... Gosto de uma doce tarefa que muitas vezes me cabe a mim – fazer companhia ao Sr. Pe. Telmo e levá-lo a tomar um cafezinho...Depois de algum tempito de estágio para tomar o pulso à instituição e timonar o Calvário, Sr. Pe. Alfredo revela-se com particular sensibilidade para os mais desprotegidos. E os quase-quase 100 anos de Pe. Telmo já o põem nessa delicada situação. Na sua qualidade de novo Diretor do Calvário, depois de uma arrojada saga de acertos e desacertos com a Segurança Social, Pe. Alfredo não tem mãos a medir - tantas são as tarefas que, diariamente (e inesperadamente), lhe caiem sobre os ombros. Muitas delas urgentes e importantes, como se dizia lá na formação para chefias… E nem sempre se tem à mão em quem delegar. Este é sempre o grande problema de quem dirige. Claro que agora, comigo já a cair sobre os 90 anos, os meus préstimos não dão como já deram…
Quando me sinto assim "de serviço a Pe. Telmo", gosto de o ver por perto – para adivinhar o que mais precisa; para «rezarmos e rirmos juntos»; para, também a dois, «aprendermos a fazer dos últimos dias desta vida terrena um pôr do sol feliz»… Nosso entretém passa muito pelo «o que é que precisa» e o «eu não preciso de nada. Tem muito que fazer. Não perca tempo com este inútil. Estou um pobrinho. Já não faço nada». Uma boa introdução para um longo 'brincar' com a nossa "velhice" – porque os dois já «Envelhessomos»2…
Como é próprio desta «bonita idade», o sono já ocupa muitas das "horas de vigília" de Pe. Telmo. Se, em qualquer conversa, a coisa se alonga mais um bocado, logo desliga e adormece. Se entra num ressonar profundo, saio devagarinho e deixo-o. Aqui acontece o imprevisto – se acorda e se vê sozinho, levanta-se, pega na sua 'filomena'3 e, no seu devagarinho, lá vai ele até à capela. «Porque Jesus está lá tão sozinho, tanto tempo. Vou fazer-Lhe uma visita».
Temos de andar sempre por perto. Foge-nos… E, curioso: não arrisca os 14 degraus que, em dois patamares de sete cada, levam lá cima à capela espigueiro. Pe. Telmo vai de volta, sobe uma rampazinha que Pe. Alfredo mandou preparar para os nossos doentes em cadeira de rodas. Ronda toda a capela. Chega ao pé da escadaria que ainda falta, para a observar se vê alguém… Ao sair, a mesma coisa – olha para um e outro lado, a ver se aparece quem lhe bote a mão. Se não vê ninguém, arrisca, sozinho - quer o subir quer o descer. Pe. Alfredo bem lhe ralha: - É uma responsabilidade muito grande, Pe. Telmo. Pode cair. Nessa sua idade!... Pois sim. A devoção é maior que todos os perigos: – […] Fui fazer uma visita a Jesus que está lá tão sozinho!… Por nosso amor. Por nosso amor…
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1 Importar o que, num serviço de solidariedade, precisamos saber exportar para aqueles que d'isso mais precisam.
2 Livro editado pela UCP (2012), com testemunhos de idosos com «um pôr do sol feliz».
3 Filomena é o 'nome de batismo' da sua bengala – amiga fiel. Padrinho - Prof. Luís Amaral.
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]