BEIRE - Flash's

... Sei é que «ISTO» os serena muito...

1. Uma Sexta-Feira diferente, mas que valeu Voltados para o «altar» daquele «Encontro com o Senhor», as paredes de vidro deixavam-nos ver lá para fora… Cada um com os olhos de que é capaz. Há chuva e sol — às alvazelhas, como aprendi a dizer, lá em casa, em pequenito. Chuva e sol — porque as bruxas estão a pentear-se… Vejo e vivo momentos de divina luz e de beleza… O mês de abril, já para lá do meio, inspira e transpira Primavera — a brancura das aleluias, o verde alface das tílias, dos acer (falso plátano) e dos carvalhos mais temp'rãos, o verde garrafa dos cedros e dos pinheiros… O piscar das gotas da chuva, penduradas nas folhas das árvores, assim contra o sol, com o abanar do vento… Dá gosto sentar-se assim a contemplar este "santuário" onde Deus é. Para quem teve a sorte de, ainda no berço e no colo da mãe, aprender a «ver Deus em todas as coisas»…

No calendário da nossa cultura judaico cristã, é Sexta Feira Santa — «da Paixão e Morte do Senhor». Aqui no Calvário, o espaço desta entrada solene para os pavilhões, hoje — dia de chuva e vento — virou «a nossa capela» para o nosso Encontro da Adoração da Cruz. Assim, todos os nossos doentes, até mesmo os dependentes da sua «cadeira de rodas», podem tomar parte na Celebração dos Mistérios desta «Cruz fiel e redentora». Esta que, «na morte do Redentor, sustenta compadecida, o Corpo do Homem Deus» — no bonito dizer do hino de Laudes, da Liturgia das Horas.

De permeio… os berros do Diamantino, «crucificado» pela dura história que a vida (alheada de Deus!) lhe impôs; e o canto do canário e dos agapornis — que sempre nos acolhem à entrada e gostam de acompanhar os nossos cânticos…

Adenso-me na «incompreensibilidade de Deus», nestas guerras todas — com tanto sofrimento e dor. Sinto fome e sede de mais Calvários como este, a dar testemunho de que nem só de ação social vive o homem — a ação evangélica também pode ajudar muito. E volto a Pai Américo: «…da Sua divindade, eu não sei nada; sei do Filho do Carpinteiro e do Seu amor entranhado por estes Seus Filhos que carregam uma tal cruz». Ouço Pe. Baptista: «…d'ISSO eu não sei; só sei que 'ISTO' os pacifica muito»…

2. A C.T.A.(1) de "sacramentalizar"… Gosto de participar nestas «cerimónias» do «Tríduo Pascal». Venho lá de trás do Vaticano II que, em boa hora, nos propôs a releitura destes «mistérios da nossa salvação». Encanta-me, agora, poder saborear afirmações como esta — vinda de quem sabe 'estudar' para 'poder falar': «A Páscoa é o culminar do ano litúrgico. Nela evocamos o triunfo absoluto de Jesus, que foi o triunfo da vida sobre a morte. Sabemos que não se trata de um triunfo sobre a morte física, mas sim sobre a morte espiritual». E, continuando: «A liturgia deste tempo visa ajudar-nos a ver que o importante não é a vida biológica. Importante é a outra Vida que, tal como acontece já com a vida biológica, é impossível de definir. Mas, tal como vivemos a vida física, também podemos viver já essa Vida outra — neste nosso aqui e agora. Podemos fazer já a experiência vivenciada de que, diante dessa Vida outra, a morte física perde toda a sua importância».

E só mais este bocadinho: «Como não temos conceitos nem palavras para falar dessa Vida outra, todos estes textos sagrados usam a vida biológica como metáfora(2). E, para nós, meio analfabetos destas coisas, o problema está em confundir o símbolo(3) (a metáfora!) com a realidade material da vida física». Por ignorância e falta de exercício vivencial, confundimos a realidade material com essa realidade outra — a que chamamos espiritual. Pelo mesmo fenómeno humano de que fala o velho ditado: «quando o sábio aponta a lua, o imbecil olha para o dedo»… Também na «arte de viver» é preciso «aprender a ver» para além d'estes olhos que a terra há de comer

3. Como o beber da galinha… Olho-me e olho à minha volta. Cada vez compreendo melhor a falta que faz o aprender a pensar e aprender a deixar-se sentir a vida que nos habita. E nos transcende. Como que fazendo de nós sua «morada temporária» para nos cativar, a ponto de nos sentirmos seduzidos por esse sedutor do povo, que os «cães sábios»(4) daquele tempo pregaram na cruz.

N.B. Estas matérias estudam-se «como o beber da galinha» — um pouco e levanta a cabeça, mais um pouco e torna a levantar…

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1. Gosto de insistir: tudo pede «estudo» (Ciência), tudo pede aprendizagem (Técnica) e tudo requer o cultivo da Arte de «aprender a ver, aprender a sentir, aprender a dizer». Deus louvado, porque sempre tive ajudas para descobrir isso… Muito devo a'O Gaiato, que devorava…

2. Uma metáfora é uma "imagem literária" para tentar dizer o indizível… Daí, o ditado de que «uma imagem vale por mil palavras»…

3. O «símbolo», como o «sacramento», mostra o visível aos olhos da carne, para significar o invisível — sua imagem e semelhança — que «só se pode ver com os olhos do coração».

4. Na fábula de Kallil Gibran, o «cão sábio» é aquele que, sobre Deus e o Céu, já sabe tudo — mas só para pregar aos outros…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]