BEIRE - Flash's 

Aprender a ler nos olhos

1. À espera de uma consultaLeio nisto uma espécie de chamada. Não sei explicar nem de quem nem para quê… Mas sei o que sinto. E também sei que aquilo que mais nos torna humanos1 é:

a) Aprender a dizer as nossas convicções.

b) Aprender a dizer os nossos sentimentos honestos.

c) Aprender a viver com as consequências de dizer(-se) n'ISSO — que faz com que cada um possa ser si próprio e não ser a fotocópia de outrem…

Verdade é que, mesmo nesta idade e no meio de todo este mar saudavelmente revolto em que nos é dado viver, sinto-me ainda com vontade de me agarrar bem ao leme. Como crente de uma Boa Nova liderada por um "grupo religioso" em que gostosamente cresci; e como cidadão, membro de um "estado de direito", em que também fui nado e criado. Neste contexto, sinto-me empenhado em conhecer e fazer bem a parte que me cabe, neste momento, relativamente à CTA2 de acertos a fazer nas relações com o ISS (Instituto de Segurança Social). Porque as IPSS's (Instituições Particulares de Solidariedade Social) não são um órgão do Estado. Nem o Estado, com seus tentáculos (ISS e outros) é "o dono" de nenhuma IPSS. Porque não é "senhor absoluto" de nenhum indivíduo, nem de nenhum grupo de pertença. Se devidamente legalizado. Separados, nem o Estado sem as IPSS's nem as IPSS's sem o Estado poderiam cumprir-se de todo, na obrigação de mutuamente se completarem na RESposta eficaz às necessidades exigidas pela d'IGNIdade de um ser humano.

E, porque são as pessoas que estão em causa, os nossos sentimentos honestos exigem-nos que reconheçamos os seus direitos e deveres. Reconhecer, aceitar, questionar e debruçarmo-nos sobre ISSO sempre que necessário, para salvaguardar o REspeito que toda a pessoa nos merece e que sempre desejamos merecer junto dos outros. Porque formam uma díade, separar a cara da coroa é inutilizar a moeda… Que é uma forma de falar das leis que regem a d'IGNIdade de um ser humano. Uma coisa que, nós os crentes em Jesus de Nazaré, gostamos de traduzir como um afinar pelo diapasão do Evangelho. A Obra da Rua e o Calvário são uma IPSS de inSPIRação evangélica — ninguém o pode negar…

Estava à espera de uma consulta, no HSJ. Enquanto esperava, fui-me deixando ouvir por dentro — como sempre gosto de fazer. Ausculto-me, escrevo, leio. E aconteceu que, mesmo conhecendo esta alegoria desde 1985, altura em que comprei e comecei a ruminar o livro El Canto del Pájaro, de A. de Mello, naquele dia encontrei-lhe um sabor novo. E dei comigo a pensar:

Este foi o segredo de Pai Américo e das autoridades do Estado que tiveram de se haver com ele — dada a "palavra nova" que urgia fazer-se ouvir em Portugal, a favor dos garotos da rua. Pai Américo de um lado e o Estado do outro. Cada um inspirado e impelido pelas suas "Escrituras" — as de um homem crente e as de um cidadão REspeitador das leis justas e adequadas. Certo é que conseguiram, em mútua colaboração, ser capazes de olhar nos olhos o mistério da realidade quando ela lhes falava do A Bem da Nação e/ou de A Vontade de Deus - a gritar nas urgências de Seus filhos…

2. Resumindo aquela estória... O Comandante do exército invasor disse ao Presidente local: - Tenho a certeza que vocês escondem aqui na aldeia um traidor nosso que temos de encontrar. E as coisas são assim: ou no-lo entregais ou far-vos-emos a vida negra, em tudo o que estiver ao nosso alcance.

Era verdade que escondiam o traidor. Parecia-lhes um homem bom e inocente — estimado por todos. Mas continuar a fazê-lo, era pôr em risco toda a aldeia. Em reunião de Conselho, não chegavam a acordo nenhum. Porque não havia maneira de se entenderem, consultaram o Senhor Abade... Porque essa era a cultura daquele tempo, foram ver as Escrituras e encontram aquela do "é melhor que morra um só homem pelo povo"…

Assim se decidiu, de consciência tranquila, entregar o inocente — com pedidos de desculpa. Ele aceitou bem a decisão, porque não queria pôr toda a aldeia em perigo…

Vinte anos depois, passou um "profeta" pela aldeia. Foi diretamente ao Presidente e questionou-o: - O que é que fizeste? Aquele homem estava destinado por Deus para ser o salvador deste país. E tu entregaste-lo para ser torturado e morto.

E que podia eu fazer para evitar isso? Até o Senhor Abade e eu estivemos juntos a ver as Escrituras e atuamos em conformidade.

Esse foi o vosso erro, disse o Profeta. Olhastes as 'Escrituras', mas o que devias ter feito era olhar bem nos seus olhos.

3. Os "olhos" dos sinais dos tempos Este é o desafio que HOJE, aqui e agora, nos está a ser feito: fugir da comodidade do refugiar-se nas "Escrituras" da Lei ou nas "Escrituras" de uma Crença. Com todos os riscos de virar crendice.

Já o previa Pai Américo ao afirmar publicamente, no Coliseu do Porto, que "toda a ação social ou é também 'ação teologal' ou já não é 'ação social' nenhuma"…

1 A palavra humano, dentro de mim, hoje, ecoa como encarnação do divino — essa chamada interior a mais vida e vida em abundância, de que se fala em Jo 10, 10.

2 Esta sigla, na minha pena, significa a ânsia de estudar bem (Ciência) o assunto, aprender as Técnicas mais adequadas para me expressar e a Arte de o fazer segundo este meu jeito de Ser e Estar — eu e as minhas circunstâncias.

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]