BEIRE - Flash's

A Magia da Ação Social...

1 — Nascidos, para nos tornarmos Gostosamente condicionado pela "história" que me/nos foi e é "imposta", sinto-me empolgado pela ideia de que — apesar de tudo — também sou/somos livres para decidir. E é baseado nessa experiência, vivenciada de cada vez que me paro a refletir sobre ela, que eu gosto de olhar a ação social. Olhá-la como fonte de uma sedutora "magia" que não para de interpelar aqueles e aquelas que, liberta e libertadoramente, se interessam pela misteriosa cavalgada humana ao longo da sua evolução. Com particular incidência em nossos dias e nosso país.

Dou comigo a ruminar os nossos encontros com o ISS / Obra da Rua. Na linha do que sucede com todas as IPSS's que tentam dar resposta adequada à problemática social que interpela cada comunidade. Tais encontros deixam em mim ecos que não quero ignorar. Até ao sonho de futuros encontros periódicos para com+versarmos toda esta riqueza de uma ação social concertada — estado e particulares.

Há dias tivemos um segundo encontro — para vermos o ponto da situação, depois do acordado na reunião anterior. A tal ponto saboreei este segundo sentar-se à mesma mesa que, no final, dei comigo a anotar e partilhar com o grupo: quase me apetecia ser mais novo para poder aprender tanta coisa bonita que aqui vou descobrindo. Em ambas as partes — ISS e Obra da Rua. Ai quanto perdemos — nós e a sociedade portuguesa a quem dizemos servir — se nos fecharmos, em vez de nos abrirmos ao "espírito" que quer animar-nos.

A magia da ação social nasce desta nossa visão alargada. Em que o conceito e a prática merecem mesmo ser revisitados, periodicamente. Ela é um suporte indispensável ao desenvolvimento integral do indivíduo. Para que possa tornar-se aquele cidadão civilizado de que toda a sociedade irá beneficiar. Portugueses de lei, no jeito singular de Pai Américo se dizer.

Acho que toda a ação social tem o seu quê de mistério. Que o mesmo é dizer, de encanto, de sedução, de beleza — essa "coisa sagrada" que dá suporte ao divino de que somos feitos. E em que cada um se cumpre como ser em processo de humanização permanente…

2 — A "ação social" e a "ação teologal". Na minha atual grelha de leitura destas coisas, a que sempre fui bastante sensível, ainda mais seduzido me sinto pela "sabedoria do ser". Quase palpável na visão de Pai Américo: "toda a ação social é também uma ação teologal". Acho que ele intuiu toda esta magia que estou a tentar traduzir em palavras que se entendam — o "divino" e o "humano" ou formam uma díade inseparável ou logo viram bla bla bla que só aborrece…

Ao escrever isto sinto-me em busca do equilíbrio emocional entre esta imanência d'o que somos e essa inquietante transcendência que nos puxa e nos empurra para diante. Em novas expressões de mais vida e vida em abundância. Isso em que muitos veem a doce "loucura do Evangelho". Porque é a grande utopia da humanidade, em sua busca de uma humanização suficiente — que nunca mais chega.

3 — "Em honra das nossas mães…" Pe. Telmo já está a rematar os seus 98 anos. Pe. Alfredo gosta de reinar com ele. Às vezes, mais parecem dois irmãos a brincar às famílias, em que um faz de pai e outro faz de filho embebecido… No sábado, depois das Vésperas, ouvi-lhe este recado: — Amanhã é o senhor quem faz a homilia. Porque é o Dia da Mãe e tem de contar à nossa assembleia as histórias da Isabelinha1 — o colo, os pitéus de que o Telminho tanto gostava, as idas a férias… Pe. Telmo, consciente das limitações próprias da idade, sorri-lhe enternecido. E, olha para nós, num gesto de quem já estou a apanhar…

Gostava de ter a ciência, a técnica e a arte de saber pintar-vos em letra de forma estes quadros do nosso quotidiano. Ora porque, umas vezes já não ouve mesmo e outras porque, no seu próprio dizer, dá muito jeito não ouvir. À hora da homilia, Pe. Telmo, impávido e sereno, esperava a fala de Pe. Alfredo. Num sorriso cativante que lhe é peculiar, de pé, na frente do altar, Pe. Alfredo olha a assembleia, olha Pe. Telmo e atira; — Porque hoje é o Dia da Mãe, convidei o Pe. Telmo para nos contar as histórias da Isabelinha… Não sei se ele preparou… Visivelmente "escondido" no seu banquinho de concelebrante, Pe. Telmo sorriu e deixou correr, como quem eu não respondo a sinais de fumo

A Eucaristia, cantada a preceito, numa capela a rebentar pelas costuras, prosseguiu com a solenidade que lhe é própria e que Pe. Alfredo sabe acalentar. Porque, realmente, a Eucaristia é, por excelência, o memorial do núcleo da Boa Nova — fazei isto em memória de mim…

No refeitório, ao final do almoço, a tarefa de Pe. Telmo é tocar uma campainha para que todos se levantem e darmos graças por esta nossa refeição… De novo Pe. Alfredo brinca: — Pe. Telmo toque a campainha e diga-nos umas palavrinhas sobre a Isabelinha. Hoje é o Dia da Mãe… Sorrindo, de campainha em riste, Pe. Telmo começa a tocar e não mais para … Os rapazes riem e o Zé solta as suas gargalhadas, seus gestos de ele não está bom, seus típicos oh oh oh oh… Faz-se silêncio. Pe. Telmo "discursa": — Foi em honra das nossas mães…

Isto é o Calvário! Isto também é ação social! E com que magia!

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1. A sra Isabelinha, de há 100 anos atrás, era a mulher do sapateiro — mãe do Telminho, aquele menino de quem até os animais gostam… E a mouca (a vaca brava) vai-lhe comer à mão…

Um admirador

Escreve segundo o novo acordo ortográfico