BEIRE - Flash's
Para um Calvário Re+novado...
1 A Alice já ESTÁ COMnosco!... Não sei a história toda, nem isso interessa. Sei é que, naquele dia, Pe Alfredo chegou à salinha do Pe Telmo, onde eu também estava, e, brincando connosco, deu uma data de "más notícias"... Com aquele sorriso que lhe é peculiar quando brinca connosco, rematou: - Mas também tenho uma boa notícia pra vós... Já podemos ir buscar a Alice. O tribunal despachou o caso dela a favor do Calvário... E leu-nos o despacho do Ministério Público.
Espantei-me e deixei-me encantar. Era uma linguagem nova, sem aquela tecnopatia típica dos documentos oficiais. Espirra humanidade e sabedoria. - É no Calvário que a Alice tem a sua "família do coração"... Soube, depois, que quem assina é uma "delegada". E fiquei a pensar que "deve ser mãe"... Se não "de sangue" é-o pelo menos "de coração"... E lá fui eu parar a Pai Américo, na sua busca de uma linguagem da Verdade. - «O Calvário é uma palavra tirada do Evangelho. (...) Precisamos destas obras humanas de sabor divino». Que, hoje, traduziria, por obras verdadeiramente humanas... Porque, à custa de, abusivamente, separarmos tanto o humano do divino e o divino do humano, já não nos damos conta do crime que estamos a cometer. É que, quando fazemos esta separação do inseparável, quando dividimos o indivisível, quando esquecemos que somos chamado à Unidade, quando fazemos isso abusivamente, cometemos o crime de estragar a moeda... Porque também aqui se trata de uma díade - em que a frente não pode ser separada do verso, a cara não pode subsistir sem a coroa. Abusamos. E os resultados estão à vista - por um lado, uma sociedade desumanizada e desumanizadora; por outro, um divino desencarnado, sem conteúdo... A cheirar a esturro de sacristia, que já muito poucos suportam...
Ai quanto me encantou este «despacho» assim redigido! Sem complexos do politicamente incorreto... Parabéns, Sra Delegada do Ministério Público, a quem incumbe a delicada mas nobre tarefa de reparar o crime (de boa fé, mas crime...) de virem aqui, pegar em pessoas como quem pega em gado para mudar de estábulo... Sem terem em conta a d'IGNIdade das pessoas - que, mesmo com deficiência, são Pessoas. Isto é, são seres verdadeiramente humanos, a gritar a urgência de mais humanidade para com todos, a começar pelos mais débeis...
Não conheço a Sra Delegada, mas sei que estudou Direito e teve uma cadeira que se chama Introdução ao Direito, a que alguns também chamam Filosofia do Direito... E gosto de associar esse estudo àquela curiosa discussão dos fariseus (os "homens da lei"!...) com Jesus - o Homem de coração tão grande e de cabeça tão no sítio que é Deus/Homem. Emanuel - Deus/COMnosco... «Foi por causa da dureza do vosso coração...» (Mc 10.5). Oh, doce Sabedoria que, desde os primórdios, tenta presidir a todo este longo processo de hominização e de humanização a que somos chamados. Por esta nossa natureza de dupla face - um imanente que grita pelo transcendente! Esquecido este caminho, lá temos nós os "fariseus» do nosso tempo a desumanizar em nome de uma lei que foi criada para humanizar. - «Não têm querer. Vão para onde os levarem (...) Não entregamos crianças; Levamos os doentes porque não cumprem a lei». Assassinos de boa fé, diria ainda Pai Américo...
2 Uma crónica de Pai Américo. Espanto-me de como as coisas acontecem. E, cá nas minhas grelhas de leitura, gosto de ver o hic est digitus Dei - o dedo de Deus anda por aqui... Um pouco ao acaso, para matar saudades de leituras de Pai Américo, abro o Vol I d'Isto é a Casa do Gaiato, pg 22:
«Esteve ontem na Aldeia a mãe do António e do Delfim, que são o «Botas» e o «Batata Nova». Trazia consigo uma irmã destes, que residia, ao que ela me informou, na companhia de uma senhora. O «Batata» estava e está de cama. (...).Ora bem.
Chegou a mãe com a irmã e logo se dirigiram à enfermaria, uma vez informadas do estado de saúde do Rapaz. Era de manhã. A mãe sentou-se na cama, a irmã da mesma sorte. O «Botas» associou-se e assim estiveram, toda a família em família, até à hora do comboio (...) Eu saía e entrava. Outra vez entrava e saía, assim como quem vai observar qualquer coisa, mas não era. Ia ver e gozar e chorar aquele quadro. De uma das vezes, topei a irmã abraçada ao pequeno, de olhos rasos! De outra vez era a mãe sozinha: qual é a mãe que não quer os filhos?!
Eu entrava. Eu saía. Eu chorava. A mãe destes Rapazes é uma mulher nova, limpa, desembaraçada. Ganha 10 escudos a dar bilhetes. O marido dela, tinha sido um daqueles trabalhadores. Esta mãe quer os seus filhos: qual é a mãe que não quer os filhos?!»
Queria dar-vos a crónica de fio a pavio. Não dá. Se tens o livro à mão, vai buscá-lo e deixa-te chorar também. Há lágrimas que são de vida. Se, tocado assim, vens aqui e te deixas ficar, em silêncio, o tempo necessário para poderes «entrar, sair, gozar e chorar», vais entender melhor a nossa alegria porque a Alice vai voltar... E entender porque é que a Alice sempre nos diz: - Aqui não nos falta nada, mas não é família. Quando é que acabam as obras, para podermos voltar para o Calvário?!
Um admirador