
BEIRE - Flash's
Ensaios de "Amor Firme"...
Porque, pelo menos para mim, o "Amor Firme" é um tema de suma importância, já aqui vos falei dele. Se calhar mais que uma vez... É que nunca mais esqueci aquela "sessão pública" que as Famílias Anónimas (FA) concedem de vez em quando. Para se darem a conhecer como "movimento de apoio às famílias vergastadas pela toxicodependência". Foi no salão paroquial do Bonfim, para dar a conhecer àquela freguesia que, de futuro, também teria ali um núcleo de apoio. A sala cheia. Sinal de que... tanta gente a precisar!
Terminada a parte expositiva / informativa, o presidente da mesa (um homem assumido que já tinha passado por elas...), deu a palavra à assembleia - questões a pôr, esclarecimentos a pedir, etc. e tal. Aqueles momentos de grande silêncio, a ver quem começa... Levanta-se uma mãe: - Gostava que explicasse melhor isso em que tanto insiste - o amor firme. Lembro a descontracção do orador, a sua cara de homem feliz, a responder à senhora. - Não me lembro de nenhuma sessão em que esta pergunta não tenha saído logo à cabeça. Eu não sei responder de outro jeito. Mas gosto de dar esta resposta: - O "amor firme" é aquilo que você sabe muito bem como fazer, na casa dos outros, mas não sabe fazer na sua...
Guardei para mim a verdade subjacente àquela resposta. E nunca mais parei de me treinar no exercício do Amor Firme - que, penso, é o modelo do Amor de Deus para connosco... Nas voltas que A Vida nos dá, vim parar ao Calvário. Aqui não há toxicodependentes - não é esse o nosso campo de acção. Mas há pessoas com deficiência... Que mais não são do que deficientodependentes... E, quem lida com eles, a querer apoia-los e demonstrar-lhes que os ama mesmo, também precisa de apoio. Para aprender a estar com eles - para os ajudar a estar de pé. Não como dependentes sem cura, mas como dependentes que, mesmo sem consciência disso, sabem estar com a comunidade a que pertencem. Ouço Pe. Baptista - meu grande mestre nestas matérias: - É uma questão de rotinas... Uma vez engrenados nelas, isto funciona. E, mais tarde, numa questão que lhe pus sobre a reza diária do terço, no meio daquela algaraviada toda, própria de quem nem falar sabe... Resposta que, senti-o bem, lhe saía de dentro, como de um saber de experiência feito: - O terço não é para que eles rezem como nós... É uma rotina que os pacifica muito.
Deixo-vos aqui este flash'zito, que pode ilustrar a matéria dos meus ensaios de um aprendiz de amor firme... Nem calculam quantos flash's deste tipo nos aparecem ao dia. Com escolhas muito bem feitas, da hora, da pessoa e do ambiente mais propício a caçar o seu ratinho de suporte afectivo... Pe. Baptista tem razão: - Só uma grande Fé!...
- Hoje, eu trabalhei muito... Num tem um... Curioso é que, cada um na sua escala, todos estes filhos que Deus nos mandou mostram uma arte incrível para levar a água ao seu moinho... Moinho esse que pode ter a tónica no estômago (só pensam no comer..), ter a sua tónica no fazer só o que lhes apetece (fugir ao trabalho para que está destinado...), ou no obter um mimito que, afectivamente, os compense , etc. etc. etc.
Olhem-me esta de Paulo Sérgio. De quem não consigo deixar de gostar d'o Tira Picos - seu nome de guerra que primeiro lhe conheci... Mesmo que ele, agora, já não rasgue tanto a roupa nem durma tanto ao relento. Sem deixar de ser "um ser humano estranho", como tão bem o retratou Pe. Baptista. Paulo Sérgio é mesmo um tratado que dá bem que estudar... E, mais ainda, dá bem que estudar-me. Não me canso de treinar a Ciência, a Técnica e a Arte (CTA) que aqui precisamos ter para lidar bem com ele. Como ele é. Não como nós gostaríamos que fosse. Sem deixar de o ajudar a que vá aprendendo a estar de pé, na comunidade de que faz parte e em que precisa integrar-se.
Lembram-se do seu bater-me à porta do quarto e, sem mais, entrar por ali dentro a desoras da noite... - Podia dar-me um chocolatito, sff, para desaugar - porque não consigo dormir?!... A princípio, ao olhar aquela carinha de menino desconsolado da vida, eu cedia. Porque também fui programado para buenista, o banana que não sabe dizer não. Mas aquilo virava rotina - todos os dias estava augado... Pressentindo o toque, comecei a recebê-lo à porta, sem o deixar entrar, e dizendo-lhe que, aquela hora, não era de... - Tá bem, tá bem, mas é só hoje... E o hoje virava todos os dias...
Descobri que, ouvindo-o com carinho e mantendo a firmeza do agora não, aquilo virava mas amanhã pode-me dar?... - Sim, mas só no refeitório, para todos... A conversa seguia com uns somos teus amigos e não queremos que te faça mal...
- Olha para esta barrigona!... Se te damos chocolate ela pode rebentar...
Mais uns afagos e lá se vai ele a descansar tranquilo. E a prometer que não batia mais à porta àquela hora...
Pouco a pouco, o método começou a resultar. Agora, já bate menos à porta e não tão tarde.... Só quando está mesmo augado de todo. Não pede chocolatito... - Quando acaba o mês de...?! É o seu jeito de pedir atenção - esse mimo cuja falta nos torna azedos...
Nele me revejo, numa multidão de Tira Picos, perdidos na dor/solidão de uma ternura que falta.
Um admirador