
BEIRE - Flash's
Voluntários em "sinodalidade"...
1. - (...) X'Abel, posso arrancar um dente ?!... O estar-com eles, sem se deixar levar por eles, nem sempre é fácil. Mas, pouco a pouco, vai-se aprendendo que o Calvário - palavra tirada do Evangelho - não é para os amiguinhos do fácil. Aqui, é uma "casa de loucos" - gente que, impelida pela loucura do Evangelho, tenta apreender - e aprender!... -, em cada dia, o novo de cada situação. Gente empenhada em descobrir Belezas Ignoradas onde outros só vêem distúrbios - físicos, mentais, sociais, (...), e/ou até espirituais...
O nosso «Tira Picos» é um caso mesmo paradigmático. "Um ser humano estranho". Estranho - nas belezas e nas feiezas... Inesperadamente, mostra-se capaz de tirar a paciência a uma pedra; mas também, quando menos se espera, é duma ternura e dum encanto que nos põe de joelhos diante do mistério(1) que nos arrebata a patamares de compaixão. No que esta palavra, no Budismo, tem de mais belo, mais largo e profundo.
Andava numa de x'Abel, este dente está a abanar; x'Abel, este dente está-me a doer; x'Abel pode levar-me ó Sampaio?; já telefonou ao Sampaio? Ou, já pelas 22 e pico, se dá conta que ainda ando a pé, bate à porta e, ao mesmo tempo que já entrou, e dispara: - X'abel, posso arrancar um dente?!... Já cansado de tanto ouvir bater à porta para que o padeiro lhe venha vender o pão (Lc 11, 5-13), vou adiando o mais que posso. Temo que tudo isso não passe de títulos para se aproximar(2), mendigar um chocolatito ou pedir um passeio de carro. Peço para abrir a boca, mostrar o dente, etc. etc. mas chegou um ponto em que ligo ao Dr. Sampaio (que foi nosso em Benguela) e exponho-lhe o caso. Apelo à sua arte de lidar com o rapaz e peço uma vaga do seu filho - sem pressa...
Chega o dia, com horas marcadas. Há que pôr o «Tira Picos» bonito para sair... Mas, quem é que lhe vai dar banho e fazer a barba, assim num fora da manada?! É que, sem mais aquelas, se lhe salta a tampa, «Tira Picos» ataca... A Fatinha já apanhou por 4 vezes, o Mário mais que uma vez. E também o Pacheco e o Luís e mais não sei quem. Tá tudo a correr bem e, de repente, vira-se, dá uns murros, amanda uns palavrões e lá se vai tudo... À espera da sua hora - ... desculpa, já passou, deu-me na cabeça...
É quarta feira. Xô Pacheco, que vem do Porto, está de serviço... Porque sei de suas habilidades para estes casos, falo-lhe. Que sim. Já apanhou, mas sabe recomeçar... Fatinha diz: - Eu ponho a roupa, mas já não faço mais... Pôs-me aqui um ombro que!...
2. A CTA(3) do aprender a amar... Armado em cusca, quando o Pacheco se foi com o rapaz, logo a seguir fui eu - para ajudar, se fosse preciso. Mas sobretudo para aprender. Sempre por perto, mas sem ser visto, fui observando. Lembrei P.e Carlos, ainda seminarista: - Estou no meio de vós como quem observa e muito tenho observado. Que paciência e que arte a do Pacheco em criar aquele misto de distância e proximidade que nos defende e nos torna aceites e queridos. - Anda, lava bem aqui, e ali, tás a ver?!... Vês como tu és capaz de... É fulano que te vai levar? Depois, vais ter um bolito no café, ai não?!...
Rumino. Encontro-me com o Papa Francisco e a sinodalidade - essa "coisa" tão velha (primórdios da Igreja nascente) e, ao mesmo tempo, tão nova e tão rara nos tempos actuais. Apareço. «Tira Picos» já está a vestir a roupa bonita que a Fatinha lhe deixou. Delicio-me. Sinto-me apaixonado aprendiz da sinodalidade. Sei na pele o difícil que é e, ao mesmo tempo, o belo, o bom e verdadeiro que também é - único caminho que nos leva a nós mesmos, porque só o TU me fazes ser EU...
3. São teses de 'alumbramento'!... Aos sábados, é o dia do Luís. Vindo de V. N. de Gaia, já virou nosso orientador de 'livros por nascer'. Teses de alumbramento - luz para educação do olhar... Nos intervalos de barbeiro, cuidador de primeiras necessidades matinais, etc. Lá nos mundos académicos, Luís ajuda os alunos a desvendar as riquezas da História Medieval, cuida das aulas, teses de mestrado e doutoramento. Aqui, a sua sinodalidade é estar-com os doentes e estar-com a gente. E, com todo o jeitinho, descobrir "arquivos" de tesouros arrumados assim pr'aí num canto. O Henrique Manuel treinou essa arte com P.e Telmo. Depois d'O Lodo e as Estrelas, quantos livros já dali sacou! Ainda bateu à minha porta, mas... Certo é que P.e Telmo, a correr os 97, de momento, já tem mais quarto livros mesmo à bica. Tudo sacado, com jeitinho, das suas torres do tombo... Luís, aqui, com P.e Alfredo a ajudar à missa, parece uma sucursal do Henrique Manuel. São dois profs universitários, de alto gabarito, que sabem pôr o P.e Telmo no lugar que lhe é próprio - o candelabro. Para que a sua luz possa chegar até nós - que tanto precisamos dela. Luís, H. Manuel e P.e Alfredo acreditam que a luz não é para esconder debaixo do alqueire (Mt 5,15). Por isso não se ficam pelos passos perdidos. Querem ir mais além. A ver vamos até onde chega o seu engenho e a arte...
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1 - Mistério - do que se vê, mesmo que seja muito, ao que se não vê que é sempre muito mais...
2 - Ai as nossas 'fomes de proximidade'!...
3 - CTA - da Ciência, Técnica e Arte de...
Um admirador