
BEIRE - Flash's
Mestre Chola, no Calvário...
1. Os meus grandes professores... Senti-me questionado, bem tocado, quando, num tempo que já lá vai, vi / ouvi alguém dizer-me que com quem mais aprendia era com os seus inimigos, os seus críticos, os seus adversários. (...). A isso somei, depois, aquela que se repete muito, sempre que se fala da educação dos filhos adolescentes - "...eles não querem mal aos pais nem aos professores; eles buscam é adversários com quem possam treinar-se na arte de saber estar de pé frente à vida". Percebi que o perigo é quando os Pais e/ou os Educadores se esquecem disso e os tratam como inimigos a abater... Aí nasce aquela rebeldia que lhes é peculiar. E que tantas vezes nos desorienta. Porque vai deixando, na sua mente, a semente dos cardos1 da agressividade - que não poupam nada nem ninguém... Com a falta de resposta às suas necessidades (e as consequentes feridas de não existência...), acabam por treinar-se é na arte de ferir e de ferir-se a si próprios... Um mecanismo de defesa para aliviar um pouco o sentir d'aquele peso pessoal, pequeno-grupal e até social a que chamamos rejeição. - Ninguém me quer, professora... Ai como sei o que isso dói, quando se vai caindo na conta de que agora já é tarde - porque burro velho não toma andadura... Restam os cuidados paliativos e/ou continuados... Mais: onde não há as luzes da Fé num Deus Misericordioso e Compassivo, a cruz torna-se dura demais para... É o refúgio na demência, na depressão contínua, na toxico-comprimido-dependência...
Depois daquelas duas crónicas sobre o Chola (Jornal nos 2023 e 2024) fiquei com ele mais vivo em mim. Vivo. É isso mesmo! Vivo e a tentar ensinar-me aquilo que, naquele tempo, não podia aprender - por falta dos pré-requisitos necessários para tal... Hoje, aqui no Calvário, o Chola faz-me sentir a necessidade de saber (e sonho ver-me rodeado de gente que se sinta em processo de aprender também) este difícil saber estar-com este tipo de filhos que Deus nos mandou. Neste tipo de instituições.
Sinto tanto essa necessidade de saber! Saber estar atento às feridas de não existência; atento ao específico de um Calvário - palavra tirada do Evangelho; atento a essas marcas (traumas?!...) que cada um de nós carrega dentro de si, e de que tanto gostaria ver-se livre, mas que... Já vo-lo disse: também eu trago, cá bem dentro, os meus cholinhas de estimação a dar-me cabo da paciência, neste caminho duro de trabalho e dor - implícito no ter paciência com+migo...
2. Dizer d'os nossos sentimentos... É possível que me repita2, mas aquilo nunca mais me esqueceu. Devo-o a Leo Buscaglia, em seu livro AMOR - a experiência mais maravilhosa da vida. Professor de Pedagogia na Universidade do Sul - Califórnia -, é perentório: O que há de mais urgente a fazer na vida humana // O que mais nos torna humanos é: a) aprender a dizer as nossas convicções; b) aprender a dizer os nossos sentimentos honestos; c) aprender a viver com as consequências.
E PRO+segue: "Esta é a primeira exigência do amor". Explica-se: "Só que isso torna-nos vulneráveis aos olhos das outras pessoas, que podem achar-nos ridículos"... E, como se isso não fosse já bastante, conclui: "Mas a única coisa verdadeiramente nossa que temos para dar aos outros é a nossa vulnerabilidade". E foi esta palavra "vulnerabilidade" que começou a martelar-me para a urgência deste aprender a estar no e com o Calvário - o d'aqui de Beire. Com estes nossos rapazes e estes nossos doentes - todos filhos que Deus nos mandou. Os que já passaram, os que estão e todos aqueles que - já nossos - hão de vir, para que se manifeste neles a glória de Deus (Jo 9, 1-14).3
Saber estar-com a doente X, as doentes Y, Z e... e... e... Todas/os "de um 'egoísmo atroz' - no moralizante dizer de quem não sabe bem o que diz... Saber estar-com um Tira Picos - um ser humano mesmo estranho, no dizer de tantos. Saber estar-com um Pomba - a contradição encarnada naquele filho que Deus nos mandou. Saber estar-com... e com... e com... Lembro P.e Baptista: - (...). Uma escola ?!... Isto aqui é uma universidade!... E apetece-me acrescentar: Que pena os apaixonados pelas Ciências do Homem (que, afinal, parece serem a ÚNICA "Ciência de Deus"...) não se dêem as mãos para, em com+UNI+ão com quem anda no terreno, ir abrindo caminhos novos que nos levem além dos fármacos para atacar as feridas que os nossos cholinhas arreganham a cada vento contrário ao seu...
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1 - Cardo é o nome comum a diversas espécies de plantas. Podem ir até dois metros... Grande incidência no Alentejo - áreas secas. As folhas, quando bem secas e arrastadas pelo vento, se nos expomos a isso, picam que se fartam...
2 - Se há repetição... Que ela seja em espiral - para que, de cada vez, eu possa ver mais longe...
3 - Quando me sai a expressão "glória de Deus", sempre me torno mais consciente de que "Deus não precisa de glória. Nós é que - para nos cumprirmos - precisamos de desabrochar até nos tornarmos glória de Deus, porque obra saída de Suas mãos". Isto reconforta-me tanto!
Um Admirador