BEIRE - Flash's

A Magia do ATC, no Calvário...

1. (...) - Mas, o que é ISSO do ATC?!... Já lá vão trintas e muitos. Vi na revista Saúde e Lar. Nessa altura, os meus interesses académico profissionais centravam-se nas Relações Interpessoais e com o Público. O título do artigo - A Magia do ATC - despertou-me curiosidade. Aquilo vinha mesmo de encontro a uma das dez grelhas de leitura que compõem a caixa de ferramentas AT. Essa Análise Transacional que logo me cativou. Nessa altura, guiava-me pelo manual de Rosa Kraus, Homens e Organizações, colaboradores ou adversários?! Aquilo era a minha paixão. Então aquele capítulo V - Os Toques, fonte de vida desbordou-me. Eu sentia tudo aquilo na pele. (E ainda sinto - por dentro e por fora...). É uma abordagem do psiquiatra Eric Berne, para entendermos melhor o complexo mundo das nossas relações humanas e ralações desumanas... A expensas do BBI (o, então, Banco do meu trabalho), fiz-me um interessado formando AT e, logo, um apaixonado aprendiz de formador AT...

Recordo. O artigo relatava uma curiosa experiência realizada à volta de 1920, algures, num hospital infantil, por ocasião de uma epidemia. Havia três enfermarias a abarrotar de crianças - todas da mesma idade e afectadas pela mesma maleita. O curioso foi que, na enfermaria X, a prescrição médica estava a resultar perfeitamente. O mesmo já não acontecia com as outras duas enfermarias. Mudam os enfermeiros, muda o resultado. Repete-se a experiência e o resultado mantém-se - onde trabalha a enf.ª F, a prescrição resulta inteiramente; nos outros, varia muito...

Monta-se um esquema de observação de procedimentos e da forma de os ministrar. Surpresa. A enf.ª F procedia exactamente como os outros enfermeiros. Nada explicava o mistério. Alguém repara num pormenor. E ISSO fazia toda a diferença: a enf.ª F era uma mulher meiga e carinhosa. Tinha um filho da idade daquelas crianças. Alguma coisa passava dela para os meninos doentes. Foi a ISSO que chamaram de ATC - o Amor Terno e Carinhoso... Depois, nos anos 30, foram feitas experiências com macacos, pombos, ... Durante a Segunda Grande Guerra, René Spitz descobre o que ficou conhecido como mal de hospitalismo - a sensação de abandono, por falta de toque, seja ele visual, auditivo, epidérmico, emocional, espiritual, ... Mais tarde, o conceito hospitalismo deixou de ser só infantil. Isso também acontece entre os idosos isolados da família...

2. - Eu vejo-O todos os dias... Nestas duras experiências de outrem, acabei por compreender muitas das minhas feridas. Que, volta e meia, também sangravam, a doer pra burro... E, se esbarrava com outros doentes do mesmo mal, aí a coisa complicava-se-me. Porque as relações humanas viravam ralações desumanas... Assim, fui caindo na conta da urgência e da importância do aprender a relacionar-me - comigo próprio, com os outros, com a vida, com o mundo, com Deus - segundo a 'ideia' e a reduzida 'experiência' que d'Ele ia fazendo. Não mais parei de buscar. Na escola de PRH, aprendi que a ISSO se chama feridas-de-não-existência. Porque tudo resulta, lá muito atrás, da falta (não-existência) de uma resposta minimamente capaz de preencher as nossas necessidade de amar e ser amados. Noutras escolas, chamam-lhe perturbação major. E apreendi que essas coisas ainda são olhadas como sem cura. Feridas - traumas - para o resto da vida... Nasceu em mim a paixão do impossível (im+possível!...) - essa palavra que no Escutismo para Rapazes, de Baden Powell, aparece com o pontapé no 'im', para que se torne possível... É um processo de 'cura'. Mas só para quem busca mesmo curar-se... (Há muito doente que já não quer mais trabalho e dor - só busca alívio e consolação...).

Conheci o gemido de Florbela Espanca - a poetisa da dor sem cura. Ouço-a: "Pena não haver manicómios para o coração // porque para a cabeça já há muitos"... Entendi a psicanalista X - Da cabeça para o coração, o caminho mais longo do mundo... Voltei a S.to Agostinho: Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto... Lembrei aquele episódio (1910) da festa homenagem aos 80 anos do grande entomólogo Enrique Fabre: - Tu acreditas mesmo que Deus existe, Enrique? Resposta pronta: - Eu não!... Eu vejo-O em toda a parte...

A providencial vinda para o Calvário - uma universidade que nos foi legada por P.e Baptista... - tem-me ajudado a ver mais longe. Com os olhos do coração, da fé, da minha inteligência espiritual... Vejo esse Grande Oceano em que está mergulhado o meu iceberg. É feito da mesma massa que Ele - à espera que se me derreta toda o gelo da minha dura imanência que, com tantas histórias que não são minhas, se me foi agarrando à pele... Pouco a pouco, tudo se me vai aclarando. E, hoje, eu sinto-me em processo de aprender a vê-l'O, (ao meu ATC...), em cada um destes nossos filhos que Deus nos manda. Predilectos d'Ele, porque feridos-de-não-existência. Sempre a sangrar e a pedir um toquezito - fonte de vida e vida em abundância (Jo 10,10)...

Um admirador