BEIRE
Adeus P.e Manuel António
1. Dos 'bens da terra' aos 'Bens do Céu'. Naquele dia, àquela hora, aquela palavra encarnou em mim e abalou as minhas distracções. Aquela palavra falou-me Palavras de Vida Eterna. Como terá acontecido a Simão Pedro, naquela confrontação terapêutica a que Jesus submeteu os aprendizes de seguidor do Divino Mestre "... se quereis ir embora, ide vós também" (Jo 6, 60-69)...
No final da missa, já com sabores a entrada do Advento, P.e Alfredo, concelebrando com P.e Telmo, convida ('Oremos!'...) a assembleia para rezar com eles a oração final: "Saciados com o alimento espiritual, humildemente Vos pedimos, Senhor, que, pela participação neste sacramento, nos ensineis a apreciar com sabedoria os bens da terra e a amar os bens do Céu". Aceitei o convite e fui bebericando, palavra a palavra, até ao fim - "Por Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo". Mas aquele "apreciar com sabedoria os bens da terra e a amar os bens do Céu" ficou a estrelejar dentro de mim. Houve por ali alguma ligação com aquele versículo(1) da minha devoção, na Oração do Aprender a Envelhecer e Morrer... Talvez pela idade em que já navego e pela ameaça covid-19, que traz tanta gente por aí apavorada. Acho que há mais gente a morrer de susto que propriamente do virus... Detenho-me neste pensamento:
Se, para lá de todos os cuidados propostos pela DGS, pelo Governo da Nação e secundados pelas orientações da Igreja, todos cuidássemos de andar bem "saciados com o alimento espiritual", talvez a nossa mente pudesse ajudar melhor o nosso corpo a munir-se das defesas necessárias para fazer frente a este inimigo que não poupa ninguém... Qual leão atrás da manada, busca a presa fácil que, porque não aguentou a pedalada do grupo, se deixou ficar sozinha mesmo à boca do lobo...
2. À memória de P.e Manuel António. Naquele dia em que fui tocado pelo "apreciar com sabedoria os bens da terra e a amar os bens do Céu", já P.e Manuel estava internado no Hospital P.e Américo, em Penafiel. E as notícias que chegavam não eram nada de animar. Começávamos a preparar-nos para lhe dizermos adeus, uma forma popular de dizer larga e deixa a Deus(2). Talvez também ISSO somasse ao peso que aquelas palavras tiveram em mim. Realmente, quem com+VIVEU mais de perto com P.e Manuel, depressa se dava conta de quanto ele era mesmo um sábio no "apreciar os bens da terra". Já doentinho e a comer dieta comedida, à mesa connosco, mal chegava qualquer coisa que cheirasse a comida e/ou bebida especial, era constante sair-lhe um - o que é isso?!... Às vezes parecia mesmo um 'menino guloso' a ver se lhe calhava só um bocadinho d'aquilo, para eu provar... Era uma boa companhia na nossa mesa.
Entretanto, apreciando como apreciava "os bens da terra", nunca o vimos 'preso nas margens'... Sempre seguia o curso do 'alimento espiritual' - amar os bens do Céu. E, se alguma coisa corria mal na relação com os "bens da terra", logo se lhe soltava um bem sentido oh, meu Jesus, perdoa-me se vos ofendi. Assim, com toda a simplicidade, diante de nós, que rezávamos com ele a Oração das Horas...
Na Eucaristia e no seu Breviário tinha ele o seu coração. Estava n'ISSO o seu tesouro. Nele se cumpria à risca aquele ditado tão humano e tão divino de que onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração (Mt 6, 19-23). Ou aqueloutro, também da escritura - da abundância do coração, fala a boca (Lc 6,45).
3. Também na morte A Vida é Bela... Porque nada havia que falasse de covid, o HPA deixou-nos trazer o corpo de P.e Manuel para ao pé de nós. Somos a sua família da Obra da Rua, a quem dedicara toda a sua vida. Depositado naquele emblemático espigueiro Capela do Calvário, celebramos com ele ali na nossa frente a 'missa de corpo presente'. Esteve connosco desde o fim da manhã de domingo até 2ª de manhã, altura em que, junto com os Rapazes da Casa, rezamos a Oração de Laudes, que ele tanto gostava de rezar connosco. Porque a oração em comunidade tem mais força, repetia vezes sem fim. - Quanto mais gente, mais força tem, filhinhos!...
Depois fomos levá-lo à igreja onde fora baptizado, fez a primeira comunhão, (...), para depois enterrar lá onde estão enterrados os seus pais. D. Manuel Linda, Bispo do Porto, brindou-nos com o seu presidir à Eucaristia, concelebrada por uma boa representação de sacerdotes a quem P.e Manuel também tocou, pela sua dedicação à Igreja, que para ele se revelava no serviço às crianças mais pobres - os meus filhinhos!
Foi um Adeus (deixa a Deus!...) na alegria de uma Fé viva e operante.
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1 - Aqui têm o tal versículo: "De mãos dadas contigo, Abba, quero aprender a reconhecer, aceitar, cultivar e saborear as 'coisas boas' que a vida ainda tem para mim"...
2 - Este é um lema dado às Famílias Anónimas, frente àquela dura realidade de que, enquanto ele/a não decidir curar-se, somos de todo impotentes para o/a salvar - larga e deixa a Deus, antes que também tu fiques apanhado nessa doença de família...
Um admirador