BEIRE

Flash's da quinzena!...

1 - Puxar... Empurrar... para a Esperança... Aquilo deixou-me a ruminar. E logo senti o nascer desta crónica. Gosto de apanhar as preciosas "pétalas douradas"1 que alguém atira assim para a mesa, no meio de qualquer conversa frívola. Aliás, penso que esse é também um jeito muito ao jeito de Pai Américo. Bem patente em muitas das suas páginas, particularmente no Isto é a Casa do Gaiato, O Barredo e Notas da Quinzena. Basta abrir ao acaso e ler um pouco, à luz desta grelha de leitura. De coisas de nada, quase a parecer ridículas, logo lhe nascia uma crónica, de estilo realismo visualista, mas capaz de mexer fundo com as tripas da gente. Boas para meditar e mudar-nos por dentro...

P.e Rafael e eu alinhávamos tarefas na montagem de um sistema de rega gota-a-gota. Era um mimo que P.e Fernando e ele queriam dar-me para me facilitar a vida, no amanho dos chuchus e demais mimecos hortícolas, ao cuidado deste inveterado neno labrego2. Coisas que, não sendo ainda muito do uso da nossa cozinha, têm mostrado que os doentes e rapazes lhes pegam bem e são de grande riqueza para a saúde. Falo de agriões, de chuchus, de aipo, de funcho, de maracujás, de physalis, de araçais, de feijoa do Brasil, de e de e de... A mesa que Deus põe para todos tem muito por onde escolher. Se, como nos disse Jesus, acreditamos que "na casa de Meu Pai há muitas moradas" (que só na sua própria "ressurreição" é que cada um poderá constatar), também podemos acreditar (e ver já "com os olhos da Fé", no dizer de minha mãe!) que, na mesa que o Pai do Céu, põe para todos, são muitas as iguarias... Compete a cada um escolher e preparar o prato a seu jeito. É, por antecipação, um banquete que assemelha esse Reino dos Céus que Jesus tanto sonha instaurar na terra (Lc 14, 15-24).

Havia que estender um tubo de plástico, bem rente ao muro, passando por detrás de alguns esteios que se cruzam no caminho onde são os chuchus. Porque P.e Rafael ainda não deixou de todo as muletas (que já vai alternando com uma bengala cabeça de pato, herdada de doentes que por aqui passaram e tudo cá deixaram...), eu ia à frente a puxar. E, à medida que o espaço aumentava, aumentava o esforço que era preciso fazer e a arte de encaixar bem o tubo para, depois, fazer o furo mesmo ao rente da raiz do chuchueiro. P.e Rafael comandava o ritmo de sincronização do trabalho de cada um - empurrar de um lado e puxar do outro.

Foi neste vulgar quadro campestre que lhe saiu esta pétala dourada: "... Puxar sempre na direcção da Esperança". Fiquei a ruminar. E, sem esmorecer no trabalho conjunto, fui parar às obras que já começaram vai para três semanas. Fui ao Porto, a Vila da Feira (onde nos deixaram morrer a Rosinha). Fui a Aveiro, de onde também já voou para o Céu o nosso Carlinhos, sem o carinho da família que ele tanto adorava. Fui a Santa Comba Dão onde, ao engano, asilaram os seis rapazes de que alguns eram bem nossinhos desde há mais de cinquenta anos. Senti as entranhas revoltas porque, em nome da lei e seus projetos de humanização na saúde, se cometem crimes desta natureza e se fica de consciência tranquila, como quem presta um bom serviço aos homens por Deus amados (Jo 1, 1-5;9-14).

Fui. Levei comigo a Esperança de que, quando chegar o Setembro, possamos mostrar que também sabemos cumprir as leis de César sem nunca abdicar de cumprir as leis de Deus (Mc 12,13-17); possamos celebrar a festa da ressurreição do Calvário, depois dos horrores da paixão imposta a P.e Baptista, a vintes e dois dos nossos doentes e a seis dos nossos rapazes. Não falando já das dores de alma impostas a todos quantos amamos este Calvário, de sabor a Evangelho. Tudo coisas que eles não pode entender porque ainda "não são ovelhas do meu rebanho" (Jo 10, 27 e sgts).

Fui. Vim. Quedo-me a rezar: Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem. Qual Marta, toda queixosa e feita barata tonta no meio de tanto que preparar para receber bem o Mestre (Lc 10, 38-42), andam muito ocupados em alimentar outros vírus que atacam as sociedades hodiernas...

2 - Celebrar, também é cuidar de... Foi no pp dia 25 de Maio. A nossa Fatinha, de Buuurgães (consegue ela dizer), fartava-se de avisar a todo o mundo: - Eu faço anos, quarta-feira... Olha, que prenda vais dar a mim?!... Fomos ver e havia aproximações: Os 65 da Fatinha (criança encantadora e ternurenta) não eram na quarta feira, mas eram na segunda. No mesmo dia que P.e Rafael completava os seus 50. Celebramos. Disso daremos conta na próxima quinzena.

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1 - Referência a um poema de Amado Nervo (Plenitude ?!...). Aí se fala do dever de "ser frívolo com os frívolos. Para aproveitar a primeira ocasião em que possas soltar a 'pétala dourada da profundidade". // "Se lhe pegarem, solta outras... // Se não, continua atento à espera de outras oportunidades"...

2 - Neno labrego!... Memorias dun Neno Labrego, Nuenos Aires, 1961, o best seller de Xosé Neira Vilas que, a partir do exílio da língua galega, lançou este modelo acabado do realismo na literatura galega, traduzido por José Viale Moutinho, com o título de Memórias de um Pequeno Camponês, Forja, 1977.

Um admirador