BEIRE
Flash's da quinzena!...
1. Beire / Calvário, desde a Cruz até à Luz... Ainda estamos no Tempo Pascal. Isto é, um "tempo litúrgico" em que nós, os cristãos, somos convidados especiais para fazer aquela Memória de Mim de que nos falam os Quatro Evangelhos - unânimes em no-lo re+COR+dar (Mt 26, 17-30; Mc 14, 12-26; Lc 22, 7-39 e Jo 13, 1 até Jo 17-26). E, sobretudo, convidados a fazer da nossa vida aquilo que, in illo tempore, foi a contagiante "experiência pascal", vivida em primeira mão, pelos Apóstolos e demais seguidores/as de Jesus de Nazaré. Uma experiência, decorrida há mais de 2020 anos, com tempo aoristo1. Isto é, uma experiência que, num momento crucial e decisivo, trouxe ao de cima todas as outras experiências daqueles "três anos de convivência", em "vida pública", com um Mestre que acabou por ser condenado, morto e sepultado. Mas que, ao terceiro dia, como lhes tinha prometido, RE+suscitou de entre os mortos...
Depois dessa primeiríssima "experiência pascal", começou a desencadear-se aquilo que, para alguns historiadores, foi o Movimento de Jesus. Uma verdadeira martelada na História que a virou num antes de Jesus e um depois de Jesus. E, de tal modo essa "experiência pascal" foi sentida e assumida como incumbência de a passar aos seus vindouros de todo o mundo que, ainda hoje, essa "Memória" e esse "Compromisso" (não podemos não falar, Act 4, 20), continuam vivos. A desafiar quantos, no mundo inteiro, se deixam cair na conta, se deixam tomar consciência de que, afinal, ninguém fica de fora, de que todos - gregos e troianos - somos "convidados para a Ceia do Senhor", no serviço dos últimos (lava-pés, Jo 13, 1-15). Com os efeitos e as consequências que daí possam advir. De cruzes e de luzes... Pois. Pese embora tudo o que hoje pesa, o Movimento de Jesus - Vivo e Ressuscitado - continua. Nem se vê jeito de o fazer parar. Com todas as paixões e mortes que, por causa disso, a História do Homens (sempre por Ele amados) vai registando. Aberta e/ou só veladamente. Consoante os lugares e os ventos que sopram a favor ou contra...
2. Depois da História, o Aqui e Agora!... Enquanto me recolho, a tentar escrever-vos esta minha vivência, escrever-vo-la assim "como quem reza" (um alerta de Pai Américo), caiem-me sobre o teclado as intermináveis queixinhas da Isabel, aqui mesmo debaixo da janela, as birrices da Luisinha lá mais ao fundo, o inconfundível barafustar do Diamantino, a dizer que também ele precisa tanto de atenção como de cama, mesa e roupa lavada... Caiem-me os fastidiosos discursos do Pomba, as típicas risadas do Sem Nome, os sonoros solilóquios do Carocha, os ataques de fúria do Paulo Sérgio. - São os nervos que me dão, explica ele depois, ao pedir desculpa. Quase oiço o silêncio do Nandinho, sempre a mendigar umas migalhitas do carinho de que necessita como de pão para a boca. Deixo-os passar um a um, nesse peregrinar de suas cruzes para as suas luzes - umas e outras sempre em grande abundância. Passam eles - rapazes e doentes. Passo eu próprio, também com as minhas cruzes e luzes. Tantas! Juntam-se-me ainda as dos nossos colaboradores, voluntários e Padres da Rua. Sem espaços de vazio, porque também aqui ninguém fica de fora. Neste nosso Calvário, como em todos os calvários do mundo, a alegria e a dor são irmãs gémeas siamesas, que não sabem nem podem viver separadas. Para que a Luz do Evangelho faça desta inseparabilidade uma fecundíssima convivialidade, como aquela de que Jesus tanto gostava, ao ver a todos sentados à mesma mesa. Desde a Cruz até à Luz...
3. De novo a cruz do nosso Calvário. Falei-vos dela no últim'O Gaiato, o n.o 1986. Enfeitada, a falar de Ressurreição. Olho-a de novo. Em todas as semanas deste tempo pascal, há sempre alguém que vai ali renovar os arranjos florais. Este ano, por razões várias, não celebramos, em cada sábado, primeiro (na quaresma) a via crucis (via sacra) nem, agora, a via lucis (caminho da luz), introduzida na devoção popular, pelo Papa S. João Paulo II. Mas, a seu modo, esta faixa branca a esvoaçar, pendente da cruz de pedra, como que acenando para o vaso a florir que lhe enfeita o pedestal, mantém vivo o Sacramento (Eucaristia!) e os sacramentais2 d'aquela "Memória de mim". É uma forma de celebrarmos a via lucis - neste nosso caminhar da Cruz para a Luz. No sereno quotidiano do nosso Calvário.
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1 - Tempo aoristo é um tempo gramatical grego que, entre nós, era traduzido como presente histórico. Mas que é bem mais do que isso. Porque um tempo aoristo é, sobretudo, aquele acordar em nós d'aquelas vivências que, no passado, deixaram tais marcas indeléveis que, no presente, comandam ainda o futuro que vier...
2 - Reservamos a palavra sacramento (sinal visível de algo sagrado mas invisível) para os Sete Sacramentos celebrados pela Santa Mãe Igreja, para acolher os sete grandes momentos da vida dos homens - desde o berço - Baptismo - até à sepultura - Santa Unção. A palavra sacramental deixamo-la para coisas mais do quotidiano da vida cristã - os rituais, a bênção das nossas casas, imagens que reservamos para o nosso "cantinho da oração", etc., etc., etc..
Um admirador