BEIRE

Flash's da quinzena!…

A "quarentena covid-19", no Calvário... Já lá vão uns 15 dias que andamos a cumprir bem com as determinações oficiais - do religioso e do civil. O mundo da Lei(1) é como a seara do Evangelho (Mt 13 24-46) - traz o trigo e traz o joio. E ninguém pode fugir a esta realidade. Querer viver sem joio é arriscar-se a viver sem trigo. E, se é verdade que "nem só de pão vive o homem" (Mt 4, 4-10), também é verdade que nenhum homem vive sem pão. E, neste caso, os efeitos e as consequências tornam-se bem mais vivíveis e imediatos...

São as horas depois do almoço. Preciso de uma sestita. Estou isolado, dentro do carro, ao fundo da avenida - em frente à capela românica, aquela das devoções de Pai Américo. Porque está sol, meti o carro debaixo de um rincão de japoneiras floridas. Assim, perto do meu "cantinho de oração", protegido pela sombra e pelo "dentro do carro", de olhos fechados, vou olhando o meu mundo e o mundo à minha volta. Sou despertado pelas vozes da Isabel e da Fatinha. Segurando-se uma à outra - ciclamanca que ciclamanca - ambas elas descem a avenida. Isabel barafustando, a berrar, como lhe é habitual. Fatinha, alheia a tudo, acompanha-a de perto, como quem masca chicletes (mesmo sem eles...). De vez em quando, lá solta um sonoro dos seus repetitivos olha pois, qu'é que tu qué?!...

Ali perto, de enxada nas mãos, rádio pousado à borda, Varito lá anda nas suas rapaduras... Porque tem uma perna muito mais curta do que a outra, tudo nele é ginástica de equilíbrio. Mesmo assim, nas áreas que lhe são queridas, volta e meia pega na enxada e tudo lhe vai na frente - olha que limpinho; pexisa cumpá máquina assim... (Faz o gesto de uma roçadoira, para que melhor eu perceba...). Lá ao fundo, ouço a algaraviada dos rapazes na sementeira das batatas. Orientados pela mão firme dos responsáveis da quinta e hortas - snr Marcelo e D. Rosa, nossos (des)encartados mas empenhados "terapeutas ocupacionais"... Aqui em casa, dentro dos muros da Quinta da Torre, onde o Calvário é, parece não haver quarentena. A vida segue igual. E a Primavera junta-se a esta alegria de viver, nas limitações e aventuras de uma Obra da Rua. Deus louvado!

À minha volta, os pássaros andam num rodopio. Há deles que cantam todo o dia - como o nosso Sem Nome, que sempre trauteia qualquer coisa ao levantar. Os nossos pássaros, os nossos rapazes e os nossos doentes são como as crianças que, vendo a mãe por perto, não há quarentena que assuste. Ela - a Mãe! - é todo-poderosa... Aqui em Casa, para eles, o Pai e a Mãe (o Abba de Jesus) somos cada um de nós que, a tempo inteiro, a eles nos dedicamos.

Olho. Sonho. Com+templo e saboreio a vida. A Primavera chegou em força. A vida ergue-se da terra como mãos a erguer-se para o seu Criador. Há passarinhos no afão do acasalamento. Outros, mais adiantados, já andam na construção dos seus ninhos, a preparar a festa da ninhada que apetece. Todos - rapazes, doentes e passarinhos - indiferentes a esta ameaça da pandemia que nos espreita. Que Deus os proteja, reza o nosso povo.

Bem cá dentro de mim, ouço a minha velha litania: estes são os filhos que Deus nos confiou! Não podemos abandonar a barca nesta hora em que parece que Jesus dorme...

1 - A nossa crescente mecanização robotizante foi-nos roubando o verdadeiro sentido da Lei. Essa coisa que, no princípio, se chamava Lei de Deus. Porque, sem grande consciência disso, se acreditava que ela exprimia a vontade de Deus para o bom funcionamento da RE+lação do Homem com a Natureza e com o seu semelhante. Na cultura judaico-cristã ela aparece como defesa dos mais fracos, frente às tentativas dos predadores - a querer comer tudo... É a isso que se refere aquela de Jesus aos letrados e fariseus - por causa da dureza dos vossos corações... (Mc 10, 1-12).

Um admirador