BEIRE
Do Bonfim até a Malanje...
Vínhamos de volta. Ali, naquele bocadinho de silêncio / estrada que separa a Karianga da Casa do Gaiato, levantei voo. Fui até ao cemitério do Bonfim: Parei diante da campa da Isaurinha. - Nós somos o rasto de ternura que deixaste... Desde há 30 anos que a placa está ali a dar testemunho. E a responsabilizar-nos por esse bocadinho de vida que dela recebemos. Particularmente nós os 4 que por cá ficamos e ali gravamos o nosso nome.
Salta-me Pedro Casaldáliga, o "bispo do povo" - profeta da Amazónia. Ao imaginar-se já diante de Deus e o Seu mostra-me os frutos do teu amor. - Aí, eu abro o peito e mostro a lista de pessoas que amei e por quem fui verdadeiramente amado. Também diante de P.e Telmo, o Supremo Juiz vai ter dificuldade em ver o fim da lista...
Um bolinho atrás da porta... Parece que já tudo dorme. Preparo-me para fazer o mesmo. Ouço bater à porta. Pelo adiantado da hora, adivinho quem ele é. Mai-lo que ele quer: - Sou o... Quero falar consigo... Abro. Olhamo-nos nos olhos. Em silêncio, ambos sorrimos - cada um em seu porquê... - Podia dar-me um chocolatito, sff, para eu dormir bem?!... Sorrimos de novo, em silêncio. Afago-lhe aquela barrigaça que, se não lhe pomos travão, não para de crescer e pode ser-lhe fatal. - É mesmo só um bocadinho, para dormir melhor... Procuro do que sempre nos dão para eles. Encontro uns "ovinhos de codorniz"... Tiro um e dou-lho. Olha o saquito onde o ovo era. - Não pode ser dois?!... - Não, filho, por causa dessa barriguita... O outro fica para amanhã... - Tá bem. - E lá se foi a desembrulhar o ovito, para dormir bem...
Fico a ruminar experiências vivenciadas e teorias aprendidas. Sinto-me dividido. Entre um deve-se-dar e um não-se-deve-dar... Vou oitenta anos atrás. Aquando do nascimento dos meus irmãos gémeos, que se seguiram a mim. Salta-me uma experiência pessoal e uma prática de família em circunstâncias tais. Quando algum dos filhos pequeninos augava2... Era o bolinho atrás da porta. Ali escondido de todos, a convite da mãe, ao lado do forno, quentinho, em dias de cozer o pão...
Hoje entendo assim: A mãe, mesmo dividida entre seus imensos quefazeres, dava-se conta de que um dos filhos andava a precisar de um miminho especial. Só para aquele. Algo que lhe testemunhasse que não andava esquecido. Ela era mãe. Dividida com outros filhos, mas não esquecida d'aquele... Chamava-o. Os dois sabiam que, quando se coze o pão, sempre há um mimito para todos os que passam pela cozinha ao deitar a fornada... Eram os bolinhos de pão quente. Coisa que ficava ainda melhor se a mãe lhes fazia buraquinhos com o dedo e lhes deitava azeite. Um verdadeiro pitéu!... Que um dia também foi só para mim. Em sinal de distinção. A mãe a vigiar e eu a lamber-me todo... Em segredo. Só ela e eu, ali escondido.
1 - Gosto da palavra contemplar. Fala-me dessa Ciência, Técnica e Arte (CTA) de entrar no interior das coisas (nesse TEMPLO "onde Deus habita"...). Aí onde o coração vê mais longe que os olhos... Porque tudo são "coisas" que se podem apreender / aprender, mas ninguém consegue ensinar a ninguém. Fazem parte das DES+cobertas de cada um ao mergulhar no seu próprio interior: Para poder ver-se à luz diáfana da Verdade que nos liberta das cobertas das trevas da nossa ignorância (Jo 8, 31-42). Por isso é que raramente me esqueço de decompor esta palavra e de me / vo-la escrever como o fiz agora: com+TEMPL+ar.
2 - Augar (alteração de aguar) é contrair um conjunto de sintomas de que bem me lembro: palidez da pele, olhos arregalados, cabelo arrepiado, andar meio pasmado, ... Tudo devido à falta de atenção que uma criança precisa para crescer direito. E de que se vê privada pelo nascimento de um irmão, de uma doença da mãe, de um desentendimento familiar. Privada daquilo que precisa como de pão para a boca e/ou de água para beber... Sem ISSO, a vida é um andar par'ali!... Como quem diz, do jeito que sabe: - se viver é isto, antes quero morrer...
Um admirador