BEIRE

Flash da quinzena!…

1. O Silêncio de Deus já está aí. Do último livro de P.e Telmo, já falou O Gaiato, n.° 1981. Quiséramos tê-lo prontinho no dia 25 de Novembro - 94 anos do autor. Mas há males que vêm por bem. O que então se fez, foi muito bonito. E deu origem ao livro de que também já aqui falámos No Tempo e na Eternidade, Caminhos com Telmo Ferraz.

Este título - O Silêncio de Deus - encantou-me desde o primeiro momento. P.e Telmo, assim como quem pede licença para lhe roubar um bocadinho do seu tempo, mostra-me uma mão-cheia de folhas A4 e diz que gostava que desse uma vista de olhos a isto aqui e me dissesse, com toda a verdade, se vale a pena publicar. Com toda a verdade, muito sinceramente! (sublinhou, repetidas vezes). São assim umas coisitas sem valor, mas o Henrique... Comentei: Só o título, já vale a pena! E expliquei porquê. Realmente, é dos temas que mais inquieta (e encanta!) -crentes e não crentes. Porque o silêncio interpela. Daí esse barulho todo em que nos refugiamos - só para atordoar...

O silêncio de Deus! Esse silêncio que deixa, (a quem o ouve...), aquela Força que impele para a frente. A deixar rastos de mais vida... Pai Américo. P.e Baptista. P.e Telmo. (...). Silêncio de Deus! Isto é, aquele silêncio em que cada um, na sua própria língua (At 2, 1-12), ouve as questões que a vida nos põe a todos. E ouve também as respostas que vão brotando da Presença Ignorada de Deus em nós. É a isso mesmo que se refere Viktor Frankl, o psiquiatra austríaco, fundador da Terceira Escola de Viena, que sentiu na pele todos os horrores dos Campos de Concentração Nazi. Ali estudou ele o assunto. Disso nos faz eco num livro1 cujo título alerta para a Presença Ignorada de Deus. Vale a pena lê-lo e ruminá-lo bem. O silêncio de Deus é aquele silêncio em que Deus encontra ouvidos atentos para auscultar a Sua voz. Essa que, se ouvida, se faz Palavra/Acção e matéria-prima na construção do Reino dos Céus. Um Reino já começado a construir, com a vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. E, logo depois, continuado pelos Seus mais fiéis seguidores - até aos nossos dias, sem parar. Um Reino em que o servidor é o rei dos servidos, como tantas vezes ouvimos cantar nos salmos. Rei servidor! De preferência, servidor dos ninguéns - os da periferia, os mais pobres, os últimos nas valias sociais...

2. O direito de ser chorado... Também n'O Gaiato, n.º 1981 -Sinais - partilhámos convosco a nossa dor. O Carlos - trissomia 21 - deixou-nos. Agora, já sem esperanças de voltar. Morreu no exílio. Num daqueles novos campos de concentração (gaiolas douradas!...) para os marcados com o ferrete da menos-valia social... Como naqueles tempos do execrável nazismo. Porque tudo serve de matéria-prima para negócios chorudos.

A informação que chega acorda o meu direito/dever à indignação. Tal como já aconteceu com a Rosinha (O Gaiato, n.° 1961 de 11-5-2019),também o Carlos morreu sem o carinho dos seus. Sem ser chorado. Pior que a didy - a cadelinha da Lúcia, de cuja morte ouvi e vi lágrimas de dor e amor, se assim se pode dizer. A bicha foi internada na ausência da dona. - Já pouco se poderá fazer, mas vamos tentar tudo -, informam. No dia em que chega a dona, poucas horas depois, vem a notícia do fim. Baba e ranho. - Querem o corpo ou cuidamos nós disso?

- Poupem-me. Cuidem-me disso. Quero guardar comigo a última imagem que tenho dela viva...

A Rosinha e o Carlos eram-nos bem mais que a didy. Por isso me revolto. Sinto as entranhas a vociferar. Agradeço a Stéphane Hesse a ajuda que me deu com o seu livrinho, nascido nos calabouços da Resistência Francesa - INDIGNAI-VOS2. Com ele tomei consciência da má educação recebida nesta matéria. Porque fui bem (des)educado para o meu pecado - comer e calar... Hoje sei que a omissão é o acto destrutivo mais poderoso. Com a leitura desse livro, caí na conta deste nosso direito natural: - não podemos ser espoliados do direito/dever à indignação. Sobretudo quando, em nome de um Plano Nacional de Humanização, na Saúde e Assistência Social, se priva alguém, à força e/ou ao engano, do direito a ser chorado. A didy foi bem chorada. Mas a nossa Rosinha e o nosso Carlos não tiveram essa bênção. Bênção que, na crença de muitos povos, era condição para entrar em paz na Mansão dos Mortos - a que nós, noutra perspectiva, chamamos Céu, Seio de Abraão, Casa do Pai, etc..

Hoje vejo com clareza meridiana que, por nascimento, todos estamos talhados para o exercício do direito/dever de nos indignarmos; e de mostrar bem alto toda a nossa indignação. Desde que se aprenda a fazê-lo com o mínimo desse RE+speito3 que até os nossos maiores inimigos merecem junto de Deus, Pai/Mãe - que é todo Vida/Amor.

Não podemos mais deixar profanar o Calvário - nascido para que, ao menos na morte, haja d'IGNI+dade para com aqueles a quem, em vida, tantas vezes e de tantos modos, tentam roubar-lha. Não mais!!!

_____________________________________

1 - La Presencia Ignorada de Dios, Herder, 2011.

2 - Editora Objectiva, 2011. Com 1.500.000 exemplares vendidos em França em apenas 5 meses...

3 - Respeito... Do latim REs(coisa) e spicere(ver). Espelho!... Ver que aquela coisa é uma pessoa, é Coisa Sagrada.

Um admirador