BEIRE
Defronte com a “Casa da Mãe”...
1. Doces memórias do coração. Tantas vezes que por ali passei a deixar o carro e/ou a saborear a vida - ver os peixes e os patos - no lago da mata. A ouvir o sussurro da água a cair de um fontenário que emolda aquele recanto. Sussurro de uma água potável de nascente. - Uma água cinco estrelas, diz-nos o Sr. Eng. Duarte. Um técnico que, em regime de verdadeiro voluntariado, nos cuida nestas áreas da água que usamos. São tantas as formas de se ser voluntário aqui!
Tudo fica ali mesmo ao lado do aviário dos nossos faisões - sempre vestidos de gala... Tantas vezes que já li e reli aquela placa de azulejo. Sabendo que ela cumpre um voto. E nos fala da gratidão de um/a filho/a, cujo nome só Deus conhece. Para que se cumpra o preceito - que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita (Mt 6, 1-18). Lia. Sabia tudo isto. Mas hoje aquilo tornou-se-me Palavra viva dentro em mim. A queimar-me. Com uma força tal que tive de ir a correr registar o impulso. Era o nascer desta crónica que, agora, partilho com os nossos leitores. Porque nela me apareceu o nosso Jorge do Campo. Já com 57 anos, mas um português de lei1, ainda com coração de menino. Que, frente ao camuflado ataque de 06 de Dezembro de 2018 para nos fecharem a Casa, falou que "se me levassem pró pé da minha mãe, eu até ia"... Aproveitaram-se da sua pureza - fraqueza/força do amor - e levaram-no ao engano. Para não mais poder ver a sua mãe. Que, segundo os registos, está num lar de pessoas dementes. Como ele - mais grau menos grau. A minha mãe! Aqui perto, onde ele, na sua bicicleta, aos sábados de tarde, sempre ia. - Ver uma tia e a mãe - que já nem o reconhece.
Apareceu-me o Jorge, dizia-vos. E, com ele, vieram logo todos aqueles que ainda estão connosco; mais aqueles que nos roubaram; e mais aqueles que, depois das obras prontas (segundo nos dizem e nós queremos acreditar), poderão ser acolhidos aqui. Acolhidos por alguma mulher/"mãe" que se reconheça neste alerta da psicologia dos afectos. É a tua ternura não aproveitada que te torna azeda. Todas têm aqui uma escola / convite / desafio para que se treinem como aprendizes da ternura para que estão talhadas por nascimento.
De entre os ausentes, destaca-se-me o Serginho. Ele, um dos nossos muitos filhos que Deus nos mandou mais atrasaditos. Nos seus trinta e muitos anos. Mas, realmente, um menino ternura. Sempre a sorrir e a cantar, enquanto tratava do refeitório - na sua comunidade/família de que fazia parte. Uma ternura, quando estava nessa, claro; umas fúrias de libera nos domine, quando os seus níveis de faltas de atenção2 coincidiam com as mudanças de lua ou sabemos lá o quê. Sem ter conhecido a mãe, de vez em quando, gemia porque quero falar com a minha mãe. E, sempre que me era possível, logo eu lhe arranjava uma "mãe" que, ao telefone, o acolhia, ouvindo sons, gemidos, sonhos e palavras de carinho que só ele sabia dizer. Do outro lado do tlm, a voz embargava-se. Eu todo me sufocava. Questiono-me sobre que Força é essa de uma mãe que está na origem destes fenómenos humanos que a psicologia ainda não desvendou de todo. Ouço o Vaticano II - ... para entender o homem, há que conhecer a Jesus de Nazaré (GS 22).
2. Quase chorei de indignação... Saí dali. A vida continuou. Mas aquela Casa da Mãe não me largava. Sentia-me ferver cá por dentro. Contra um Estado que chega a um tal estado de coisas que, sem COM+versar com ninguém, deixa que, em seu nome, se ataque assim estes inocentes. Perseguidos como portugueses sem lei. Porque classificados como gente que não têm querer; vão para onde os mandam (voltar a ver O Gaiato, nº 1955). Pior ainda: roubam-nos a título de lhe dar uma melhor qualidade de vida. Porque "o Estado tem esse dever - proteger o cidadão indefeso e cuidar da humanização de todos". O Estado tem esse dever. Mas, se todos calamos a nossa indignação quando ele não se cumpre, cai-se numa qualidade de vida que se reduz ao rabinho seco, papinho cheio e uma cela quentinha para o novo prisioneiro... Esquecidos de que um paraíso de onde não se pode sair, depressa vira inferno. - Estamos bem, mas aqui não temos família. Quando começam as obras para podermos ir embora?!...
O paraíso/inferno que lhes ofereceram, agora, inferniza a vida deles. Mai-la de tantos outros que ainda se doem por aqueles que, mesmo em suas deficiências, nos cativaram como os filhos que Deus nos mandou... Por isso, não podemos não falar... (At 4:20). Porque o "direito à indignação" logo vira dever de quem vive a tentar cumprir-se como irmão dos que não têm e/ou nunca tiveram um irmão para os defender.
Salta-me a Cantata de Paz. Das inesquecíveis Canções Com Aroma de Abril. - Vemos, ouvimos e lemos... Não podemos ignorar!...
1 - O sonho de Pai Américo sempre foi tirar da escola da rua os futuros criminosos, para os ir transformando em portugueses de lei. Isto é, gente que não come o pão de ninguém // porque só come o pão que trabalha...
Um admirador