BEIRE
A "realeza" do/no Calvário...
1. A nossa Festa de Cristo Rei. Hoje a celebração da Eucaristia tocou-me profundamente. As Irmãs de Bairros, com um bom grupinho de irmãs da África e da Ásia, trouxeram-nos os seus novos ritmos de amor. Com vozes e músicas de enternecer. Vimos e ouvimos o batuque, a pandeireta, a rela, o guizo..., que sei eu. Desde há muito que o tema de Cristo-Rei me dá que pensar. Rei - de quem e de quê?!... Revejo aquele diálogo entre Jesus e Pilatos: - Tu és rei?!... - Tu o dizes, Eu sou rei... E logo: - o Meu reino não é deste mundo (Jo 18, 37). Associo com a oração de Jesus no Horto: "Não vos peço que os tireis do mundo, mas que os livreis do mal"(Jo 17, 15). Apetece-me acrescentar que a Sua Realeza não é deste mundo, mas já está a trabalhar neste mundo. Como desafio, como sonho, como a grande utopia de toda a humanidade. Uma utopia encarnada em Jesus como um Reino dos Céus. Para que esta nossa sociedade se vá tornando mais humana. Uma sociedade como Deus manda. Sem mais nenhum pegar em doentes e rapazes como quem pega no gado para os mudar de estábulo... Olhados como quem não tem querer. Olhados como coisas que vão para onde os mandam (O Gaiato nº 1955). Assim não. De um mundo assim Jesus não pode ser Rei...
Gosto de ter aprendido a saborear o Livro dos Salmos. Na versão galega Os Salmos Hoxe (versión oracional à luz do Evanxeo), de Manuel Regal Ledo, editado pela SEPT, 2012. Fazem-me muita luz sobre esta Festa de Cristo-Rei. Mostram-me a curiosa forma como Deus Se revela na História dos "homens por Ele amados". Um Deus que sempre é sonhado e celebrado como um Rei-Servidor de todos os povos. Com preferência pelos últimos. Um Deus das periferias. A culminar nessa forma especial de reinar encarnada em Jesus de Nazaré - rosto visível de Deus. Deus Abba, Pai/Mãe, em Quem todos somos e vivemos, em quem tudo é e vive. Porque não veio para ser servido mas para servir (Mt 20, 28). E escolheu o amor como força invencível e o serviço como única grandeza.
Deixo passar diante de mim cada um dos nossos doentes e rapazes. Poiso o meu olhar mais demorado no Varito, no Paulo Sérgio, no Carlitos. Olho o Diamantino, o Valdemar, a Isabel - sempre com aquela cabeça num rodopio, a lembrar os olhos da testemunha... Olho a Luísinha - nossa Princesa - que toda se torce e retorce, sorridente, na sua cadeirinha de rodas. Vejo a Fatinha, naquele seu ictus nervoso sempre a lamber os lábios e a perguntar quando vem o Fenando?!... D. Joaquina, D. Deolinda, sr. Neca, sr. António. Contemplo o mistério das mil e uma atenções que sobre eles caem como uma bênção, à entrada e à saída das nossas Eucaristias. São as pessoas que gostam de acompanhar a nossa vida religiosa. Uma palavra, um sorriso, um aperto de mão mais demorado. O acolher de um abracinho que alguns não dispensam. Como Maria, guardo todas estas coisas no meu coração (Lc 2,19). Isto é assim, porque vêem neles a Realeza de Jesus.
Pego no último número d'O Gaiato - o 1975. Leio P.e Rafael: (...) alegria dos doentes que estão, os que regressam e os que a pouco-e-pouco irão entrando. (...). 'Não podemos apagar o pavio vacilante'. (...). Não é preciso fazer um novo Calvário porque está vivo em cada um deles.
2. Abraços que não mais acabam... Parece que para estes nossos meninos, pelo simples facto de já terem acesso à Comunhão, como sempre viram os grandes fazer, o interesse por estes momentos especiais do nosso Domingo(1) aumentou. Precisaram de um tempito para treinarem o tomar a iniciativa de sair do lugar e aproximarem-se da Sagrada Mesa. Mas agora, até dá gosto vê-los. Por motu próprio, fazem-no com toda a reverência de que são capazes. E então, desde que P.e Telmo, uma vez arriscou o Abraço da Paz, aquele momento reveste-se de uma beleza especial. Parece que já estão à espera dele para expressarem toda a sua Realeza - como membros vivos desta Igreja de Cristo-Rei. Porque são eles os que melhor encarnam a Realeza de Jesus, neles crucificado.
Ainda o sacerdote está a começar o saudemo-nos na Paz de Cristo, já o Paulo Sérgio, a Isabel, o Carocha, o Varito..., saíram do lugar e começaram a volta à capela em busca dos seus mais próximos. A princípio, o Carlitos esperava que fôssemos até ele. Um dia fiz-lhe sinal de que queria o seu abraço. Depois, disse-lhe que podia ir até os seus amigos. Ai o sorriso com que ele agora estende a mão a cada um dos que pousam nele um olhar de carinho e acolhimento!
Os teólogos e liturgistas que façam lá as suas leituras deste nosso jeito de ser Eucaristia. Encanta-me ver, pensar, sentir, imaginar toda a festa que lhes vai dentro porque se sentem os reis deste nosso Calvário. Concebido e realizado para eles - Obra de Doentes, para Doentes, pelos Doentes.
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1 - Sei que o uso e abuso desta palavra a banalizou. Para muitos, o Domingo já mais não é do que um dia como os outros. Na realidade, esta palavra foi introduzida na nossa cultura pelos Cristãos - seguidores de Jesus - já no séc I da nossa era. Palavra originária do latim dominus - senhor! - Domingo significa o dia do Senhor. O Senhor por excelência, Aquele que, no "primeiro dia da semana", ressuscitou de entre os mortos (Lc 24, 1-12).
Um admirador