BEIRE

Depois da vindima, o mosto(1)...

1. Ainda na cozinha lá de baixo. Já vos falei disto aqui (nº 1973), lá em baixo, na cozinha dos rapazes. Todos pudemos ver com estes olhos que a terra há de comer. Pois. Mas, como O Principezinho, todos, alguma vez, experimentamos já que o melhor é sempre invisível aos olhos. Porque o coração vê mais longe... Só ele sabe fazer mais vida destas curiosas alianças entre esta nossa imanência (às vezes bem arreliadora, porque nos prende à terra) e esta também nossa sufocante fome de transcendência (que não nos larga nunca e, de vez em quando, ataca forte e feio, a roubar o sono à gente).

- Aquilo foi mesmo bom! - Ouvia-se da boca de muitos. Tão bom que o Sr. António, nosso carpinteiro nas emergências, até sugeriu que, de vez em quando podia fazer-se assim uma coisa destas para os rapazes. O Sr. Agostinho, que o Fundo de Desemprego nos empresta, com proveito para ambos os lados, entra na dança e também dá o seu empurrãozito. Ambos sugerem que indo buscar uns frangos assados e uma saca de pão ou uma broa de milho, não é preciso muito mais. E são coisas que até nós podemos trazer, para a Casa não estar a gastar...

Porque este meu coração sempre gosta de andar por onde andam os meus tesouros (Mt 6, 19-23), volta e meia lá ando eu a pensar em como levar para a frente estas intuições(2) de que 'isso poderia ser bom para os rapazes'. E para os doentes, claro. Por isso gostei tanto de ver o Sr. Neca, habitualmente perdido lá nos mundos do sr Alzheimer, ali no meio de nós, feliz, agarrado à sua bifana. Estava ali todo. A com+viver!

Sei que nem a filosofia, nem a teologia, nem a psicologia pertencem às ciências exactas. Mas também sei de fonte limpa que, quando bem orientadas, essas três ciências podem com+vergir para operar no mundo o Sonho Louco d'Aquele Nazareno que falava de "um reino que não é deste mundo"... E rezava pelos seus amigos, não para que o Pai do Céu os tirasse de cá mas "os livrasse do mal" (Jo 17. 15).

Porque é contagioso, esse sonho, daquele louco da Galileia, ainda hoje, continua a inquietar tanta gente. Também para empurrar este Calvário para diante. Como peça importante d'O Reino dos Céus para aqueles que jazem nas valetas, sufocados por infernos que outros despejam sobre eles...

2. Teologias, filosofias, psicologias e... Não fixei aquilo com o rigor da Academia. Mas fixei o bastante para lhes dar o crédito necessário a fazer deles uma regra de vida para mim. Falo dos Três Mandamentos de Valor Universal(3), propostos por (?!...) num livrinho, Stress, da Itau, de Júlio Roberto. Encanta-me logo o primeiro: - Conheça as suas necessidades e o nível delas. Isso me faz lembrar um princípio base da Psicologia de que Pai Américo muitas vezes falava (avant la lettre...) e já praticava com os seus gaiatos. É o direito a procurar resposta para a nossa necessidade de emoções fortes. Coisas de que, quando estamos de fora, dizemos que aquilo é para chamar a atenção... Ou que é por gulodice; para armar em grande; etc., etc.. Pois é. Criticar é fácil. E as vezes em que todos nós, sem termos consciência disso, procuramos o nosso protagonismozinho, em busca de que olhem para nós e nos reconheçam como pessoas importantes?!... Ai, o nosso tanto saber! Quem é que nunca foi apanhado num repetitivo já sei, já sei; sei isso muito bem; oh, então eu não sei isso?!... Trata-se de uma necessidade tão forte em nós que, se não encontramos uma resposta pela positiva, logo criamos umas escapadelas pela negativa. Em bitaites de crítica destrutiva, murmurações, maledicências.

Leio o Papa Francisco. A falar destes mexericos. Com toda a verdade e simplicidade: - ... Todos caímos nisso. Até eu!...

3. Gente que precisa de GENTE-QUE... Ali na cozinha, tal como na vindima, ninguém era nem parecia mais que ninguém. Éramos todos uma família. Remadores, a puxar certinhos para o mesmo porto... Ora, são estas as experiências que todos eles precisam. São resposta às suas necessidades de reconhecimento, aceitação, importância. Coisas tantas vezes criticadas, porque olhadas como coisas de criança... Ora, o nosso bem-estar está intimamente ligado ao nosso Estar-de-Bem connosco próprios, com os outros, com a vida, com o mundo e com Deus - seja qual seja a ideia que d'Ele se faça. Todos precisamos de experimentar (neste corpo, nesta alma e também nesta divindade a que aspiramos) alguma dose de autonomia e aquela gostosa sensação de minimamente realizados.

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1 - Do latim "mustum", "novo", "jovem"... Aqui é a novidade que aparece neles quando se sentem gente entre gente, aceites e respeitados.

2 - Gravei fundo esta de J. Powell: "Não duvides em seguir as tuas intuições. Mas, antes, submete-as ao cadinho da com+front(e)+ação com o real - único guia e mestre de todo pensamento válido".

3 - Faltam: a) Pratique, ao menos, o egoísmo altruísta. Isto é: Aprenda a lidar com os outros, se não por amor deles, ao menos por amor de si próprio...; b) Traduza o "amai-vos uns aos outros" por: Aprendamos a amarmo-nos uns aos outros. Porque ninguém ama por decreto... q

Um admirador