BEIRE
A festa da nossa vindima
1. Tradições que não são de perder... Todos sabemos que a tradição já não é o que era..., e ainda bem. Porque, se nada mudasse nunca, teríamos cristalizado na idade da pedra lascada... Mas, quando os costumes legados pelos nossos antepassados veiculam valores1 que dão mais vida à vida, aí haverá que pôr travão à fúria incontrolada do imperante consumismo egoico, porque sempre tende a roubar-nos a festa do viver-COM+vivendo.
Vem muito lá de trás o bom costume de celebrar a Festa das Colheitas, (Festa dos Tabernáculos, para o povo judeu). Entre essas festas, a vindima sempre ocupou um lugar privilegiado. Pudera. Até os Livros Santos dizem que o vinho alegra o coração do homem! (sl 103,15). E, na Casa do Gaiato de Paço de Sousa, Pai Américo sempre dava grande ênfase a estas festas. Celebravam-se as desfolhadas do milho, as arrigas do linho, mas as vindimas!... Aí, havia música, dançarico, pimentos curtidos e sardinha assada, com broa de milho, cozida de fresco e, sempre a acompanhar, uma boa pinguita. Tudo a preceito, como Deus manda... Recordo com alegria aquelas vindimas da minha infância, na Quinta do Carvalho, ali juntinho ao campo da bola, em Lousada.
Desde que, vai para cinco anos, a vida me empurrou de novo para aqui, (...)2, a nossa vindima é uma data sagrada3. No final, temos que celebrar a chegada do vinho novo - fruto da videira e do trabalho do homem, para se tornar fonte de salvação. Isto é, fonte de saúde! Uma boa saúde, a nível físico, emocional e espiritual. Essa dimensão de nós que, por mandato do nosso Rei Servidor do Povo, a começar pelos últimos, os mais explorados pela sociedade, apela ao Grande Banquete em que ninguém fica de fora.
PORQUE: uma vindima é um acto comunitário. Então, há que saber estar-com. Nas alegrias e dores, penas e trabalhos que o ser-comunidade implica. São as escadas de abrir que servem, em simultâneo, de um lado e do outro. É o estar sempre atento para despejar os baldes cheios da mão dos vindimadores, levar aos cestos, para logo voltar à procedência... E tudo a passo ligeiro porque o sol não para... E aquele andar juntos, com um mesmo objectivo, na recolha daquilo que faz parte do pão nosso de cada dia. Em prol de um Bem Comum para todos - sem destrinça nem de credos, nem de cores, nem de raças.
2. A cozinha dos Rapazes acolheu-nos de novo... Agora, na Casa dos Rapazes, somos menos seis. Roubaram-no-los. E ainda não no-los devolveram. Quem poderá pôr fim a esta injustiça, por ordem ninguém sabe de quem? Assim, a vindima arrastou-se mais. E cada dia com a mesma pergunta de fundo: - E vai haver sardinhas assadas, como o ano passado?! E o sr. Pe Júlio vem? E o sr. Pe Rafael também vai? E o sr. Pe Telmo? Quem leva eles lá baixo? Por muito que se tenha que fazer e/ ou por muito apertados pelo tempo, estas e outras perguntinhas de a, de b e de c têm que ser respondidas. Com toda a calma do mundo. Por que estes filhos que Deus nos mandou nunca têm pressa de nada. Vivem no presente. E se este puder ser de festa, tanto melhor. E, se algo corre mal, tudo berra e tudo ri, mas logo acaba e sempre em bem. Importante é que quem preside se mantenha paciente e de muita misericórdia... Chegou o dia desejado. E o cômputo geral aponta para onze toneladas e pico. Parece que não está nada mal, para tanta tempestade que por esta Casa passou ao longo deste ano. Já não fomos a tempo das sardinhas, mas havia que botar mão do que houvera. Falo a D. Lúcia. Pergunto da hipótese de umas bifanas em pão, etc. etc. Que sim, se arranjarem o pão. Daquele que... Porque é segunda-feira, sr. Pacheco entra em cena. Encarrega-se do vinho para os homens de barba rija e dos sumos para os rapazes. Eu cuido do pão. Fresco, para apanhar bem aquele molho quentinho das bifanas...
Há que decidir local e hora. - Ora, tem de ser onde sempre foi. Na cozinha lá de baixo... Às 15:30h, lá estavam todos à espera que se abrisse aquela porta - que até dá pena ver assim fechada... Entro. Sobre a grande mesa de mármore está o tacho a fumegar. Aquele cheirinho que aguça apetites! Saco do pão, aberto, à disposição. Garrafão do vinho. Garrafas de sumo. Um verdadeiro self service. Cada um vai e serve-se. Uma, duas, três vezes. Os mais atilados botam a mão aos mais enrascaditos. Não há distinção de pessoas. Residentes, voluntários, senhores Padres, assalariados. Todos na mesma festa. A comer com gosto. A Sociologia tem razão: Nada aproxima tanto as pessoas como os pezinhos debaixo da mesa...
1 - Nunca me dei ao trabalho de ir ver a semântica desta palavra VALOR. Gosto de a 'encaixar' no Vale dos clássicos, como forma de saudação. Para desejar a outrem mais vida e vida em abundância.
2 - Realmente! Vá lá a gente armar aos cucos e dizer que é e que não é. Razão tinha Isaías - ah,ah,ah, Senhor, que eu não sei falar. No próximo dia 23 de Dezembro, fará sessenta anos que a vida me empurrou de Singeverga para fora e me trouxe para a Casa do Gaiato de Paço de Sousa.
3 - Gosto de pensar o sagrado como uma Força (o Ruah hebraico!..) que empurra para a frente, à descoberta d'O BEM COMUM da Humanidade - The Common Good of Humanity...
Um admirador