BEIRE

"Caim" "Abel" visitam o Calvário…

1. Uma crónica esquecida. Já lá vai um ano e pico. É uma "crónica inacabada". Como tantas que ficaram pelo caminho. Foi no dia 09.08.18. Reza deste jeito: "Quando os oiço assim, apetece-me desancá-los. E sinto-me em revolta, a sermonear cá por dentro..."

"Mal me dou conta de que estou a perder tempo e energias em pensamentos inúteis, logo esse automático(1) desliga... Minha atenção salta fora do dedo acusador e todo eu me centro agora nos meus três dedinhos amigos... Eles estão ali a olhar para mim. Com toda a paciência do mundo. Esperam que eu caia na conta do quanto tenho que reparar cá por dentro de mim. Sem condenar ninguém. Só RE+parar o estragado e pô-lo no seu lugar. Como Deus manda!..."

"Lembro aquele versículo da minha oração da manhã: "Consolar mais do que ser consolado; compreender mais do que ser compreendido; amar mais do que ser amado"... Fico sereno. A saborear o "é perdoando que se é perdoado". Dou graças ao Pobrezinho de Assis. Vê-se que, porque tomou consciência dos maus caminhos que estava a trilhar, decidiu a tempo seguir o arrevesado caminho da sua conversão pessoal."

"Repasso pela minha mente, cada um dos nossos rapazes. Cada um dos nossos doentes. Cada um dos nossos assalariados. Detenho-me no grupo dos nossos voluntários. A que também pertenço - por misteriosa decisão d'A VIDA! Cada um com sua história (e eu com a minha...). De que resultam mal amanhadas cabalas mentais (quadros de referência) que ressaltam automaticamente. Sempre comandadas por seus estímulos internos e/ou externos. Olho-os. Vejo-me ao espelho. Na verdade somos mesmo todos iguaizinhos... O que faz a diferença são as medidas que cada um usa. Eles me ensinam que eu também preciso cuidar das minhas medidas..."

2. Doía-me ter de ficar calado... O que primeiro me assaltou quando, hoje 20.09.19, esbarrei com o título que dera a esta crónica inacabada, foi esta experiência vergonhosa (Caimnosa...) por que passei: Era Domingo, manhã cedo. A comunidade ainda dormia. Só a senhora da noite cuidava da higiene e arranjo dos doentes mais madrugadores. Ao arrumar o carro mesmo ali ao lado da casa onde os doentes são, ouvi as vozes alteradas do Diamantino e da Isabel. Cada um a seu jeito. Rituais de descarga em cada manhã. Recordo: Já vai fazer um ano (07 de Novembro e 06 de Dezembro) que esta Casa foi caimnosamente assaltada. E, dos quadros superiores daqueles Órgãos do Estado, saiu a acusação de que P.e Júlio foi agressivo, frente às câmaras da TV, ao dizer que fomos vítimas de um ataque selvagem. Sinto-me ferver. NÃO É HUMANO que, em nome de um Programa de Humanização, se venha para a rua a cometer tantos crimes de desumanização. Aí o meu automático caimnoso começou a disparar: - Era bem feito que aquela gente da S. Social tivessem um filho assim... Para ficarem a saber o que e o como é ISTO aqui!..., etc., etc., etc..

Dou-me conta do meu Caim à solta. E de quanto me doía ter de ficar calado quando, por falta de idade e/ou de saber falar os meus sentimentos, tinha mesmo que engolir em seco. A moer ressentimentos e recriminações. E logo penso em tantas coisas boas que, ainda acredito, estarão a acontecer, na sequência daquele vendaval desumanizador. Ouço Pe Júlio: - Na S. Social nem todas as pessoas que vieram cá pensam assim... Puxo o filme atrás e vejo-me, naquela dia 07 de Novembro, a recebê-las à chuva, à porta da nossa enfermaria. E do acompanhamento que lhes fiz nas primeiras horas da inspecção... Realmente, a par do Caim que só buscava deficiências para justificar a decisão já tomada, vi o Abel de algumas outras que, maravilhado com o que via e ouvia, continha as lágrimas com dificuldade. O corpo fala. Cumpre-nos saber ouvi-lo. Assim, ouvi delas muita aprovação e vontade de CO(m)+laborar com o Calvário para levar isto para a frente. De cabeça erguida. Frente ao ataque concertado de que estávamos a ser vítimas. Pronto. O meu Abel lembrou-me que, às vezes, há mesmo que cumprir ordens, porque quem manda pode.

3. Tarda aprendermos a COM+versar... A onda passou e eu fiquei-me na minha de eterno aprendiz de vivente. Com a necessidade de aprender a ver mais longe. Ver com o coração. Mesmo sabendo que ele mata a gente, como foi matando Pai Américo... Por isso estou aqui. A ir aprendendo a alinhar com ele. Na descoberta de que, realmente, toda a acção social é uma acção teológica. Em pré-sintonia com o Vaticano II, quando nos diz que "para entender o Homem há que conhecer a Jesus" (G.E. 4). Claro que também, para entender Jesus, haverá que ir entendendo o homem... É uma díade inseparável. E muita desta Caimnada em que tantas vezes caímos resulta de teimarmos em querer separar o inseparável. Sem prejuízo do clássico "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Porque um pressupõe o outro. Mas cada um no seu lugar. Como Deus manda!...

(1) - Gosto de me deixar cair na conta de que os meus automáticos também são uma bênção: Podem poupar-me tempo e energia. Só que... precisam de mim para os gerir. Porque, sozinhos, tendem a ir na onda... Tanto funcionam para o bem como para o mal. A mim compete a ingente tarefa de os Pré+dispor...

Um admirador