BEIRE

Voluntariado com "Novos Horizontes"…

1. P.e Acílio, um "instrumento da Sua Paz". Ambos já bem entraditos nos oitenta, certo é que desde muito novo me habituei a olhar o P.e Acílio como uma dessas "pessoas seminais" que passam pela gente e, sem dar por isso, espalham a Boa Semente. Essa que, quando encontra terra da boa, sempre dá muito fruto (Mt 13, 18-23). Sei que P.e Telmo tem por ele um carinho muito especial. Pela sua amizade ao nosso saudoso P.e Zé Maria e seu apoio às nossas Casas de África - Benguela, Malanje e Maputo. Desde a minha juventude que trago o P.e Acílio comigo. A gerar mais vida. Sempre em abundância (Jo 10,10). Faz pouco tempo que até trouxe, para mostrar a P.e Telmo, uma ficha de anotações minhas, copiadas de P.e Acílio nos anos 70. Uma entre muitas outras coisas que ia recolhendo d'O Gaiato - para ruminar.

Acontece que, hoje, ao pegar n'O Gaiato n.º 1961, de 11 de Maio pp, na local Património dos Pobres, dei com isto: «... Com dois rapazes — eles são sempre os melhores e mais sábios companheiros — fomos aos pobres distribuir hortaliças, trazidas na nossa camioneta, do Banco Alimentar contra a fome». A que logo se segue uma dura aguarela do «Bairro Negro, não o do Canto do Poeta, mas o real, que se situa numa antiga fábrica de conserva e pela encosta acima, com casinhas pouco mais dimensionadas do que as palhotas»...

Desde que ando nestas andanças de aprendiz de voluntário no Calvário / Rapazes de Beire, a ideia já me visitou muitas vezes. Mas, vítima de algumas ideias feitas e de certas resistências de quem, antes de mim, já andava por aqui, nunca me deixei habitar por ela. E, agora, vejo que afinal ela já é familiar a P.e Acílio. Quando do Banco Alimentar contra a fome nos vêm coisas que podemos dispensar, porque não irmos nós levá-las a quem delas necessita?! O Banco deu para nós, mas não impôs como condição termos de ser nós a consumir tudo, naquelas datas. Até porque, muitas vezes, são prazos muito curtos, a coincidir com outras ofertas vindas de outro lado. Porque não dispensar, então, a favor de outros irmãos que...?!

2. A semente que ficou a germinar... Curiosamente, passadas poucas semanas depois desta com+Un(h)i+ão com P.e Acílio, numa sexta-feira ao fim da manhã, ligam-me do Banco Alimentar. Tinham acabado de receber uma oferta exorbitante de yogurtes com a validade a terminar já no domingo seguinte. Aflitos, ligam às instituições beneficiárias a dizer que têm muitos yogurtes à disposição. - Terão é de vir buscar já, porque o prazo...

Eu sabia que também nós ainda estávamos a abarrotar. E até já tinha ouvido ralhar: - Pf, não nos tragam mais yogurtes!... Pus-me na pele da voluntária do Banco que acabara de ligar-me. Prazos a cumprir. Com a ameaça de sempre: "A ASAE não deixa distribuir nada que esteja fora do prazo..." Imediatamente, disse: - Sim. Pelas 14:00h., eu vou aí no meu carro e trago o que couber.

Entretanto, liguei a pessoas amigas que cuidam da irmã pobreza. Sobretudo nas Conferência de S. Vicente de Paulo. Fui confiante. Vi carros particulares de gente que já costumo ver a representar as instituições que ali se cruzam connosco. Vi até um táxi. Senti-me bem por ter dito sim e tentar abrir novos canais de distribuição. Sei que há muito quem pense mal do voluntariado. Mas sei, muito melhor ainda, que o Voluntariado Organizado (com todas as suas verdades e mentiras...) é uma Grande Bênção que o séc XX legou à humanidade. Urge é aprendermos a ser instrutores uns dos outros para abrir bem os olhos nestas matérias da construção desse Reino dos Céus (aqui na Terra!...), onde tudo nos é doado para bem de todos. Nesta Casa Comum da Humanidade...

Só para o Calvário, estavam ali destinadas 100 caixas. Apenas consegui trazer 60. Mas a alegria que vi esguichar de tantos rostos, mai-la euforia do ai quando o Luís vir isto! Ai a minha Sara! Ai o meu João. Ele/a adora este yogurte! E este! E mais este! Voltei ao Calvário com o carro vazio como o tinha levado. Quase arrependido de não ter voltado atrás a buscar as 40 caixas que lá ficaram...

3. Ninguém me nomeou Educador de Adultos... Desde tenra idade, ainda me anda cá dentro aquele versinho de uma bonita oração do inesquecível P.e Zezinho: - Não atirei verdades à cara de quem mas não pedia. Porque ninguém me nomeou educador de adultos... No Telefone da Esperança, fui descobrindo o quanto URGE uma formação permanente para os voluntários que abracem aquela missão. Há ramos do voluntariado onde sempre nos espreita o perigo (péssimo!...) da corrupção do óptimo...1 No Calvário temos essa experiência. O bem que o voluntariado já aqui fez! E também o mal que o voluntariado já aqui tem feito! Agora, há que aprender a fugir à tentação de acreditar que, porque morreu uma andorinha, já não vai haver mais PRIMAVERA!...

Penso que, realmente, não precisamos de educadores de adultos. Porque ninguém educa ninguém. Mas também ninguém se educa sozinho. Urge descobrir que, em comunhão, podemos ajudar(-nos) a EDUCAR(mo-nos) uns aos outros. Por isso, acho que muito ganharíamos se, periodicamente, nos sentássemos uns com os outros para revisitar os nossos conceitos de Voluntariado. E, sobretudo, analisarmos o clima emocional que nos criamos e respiramos. Na mira de fortalecermos os nossos pulmões para a luta que este modo de ser voluntário nos pede que tenhamos.

1 - Os latinos tinha o aforismo "corrupcio optimi pessimi"... Já experimentei que as flores mais bem cheirosas, quando apodrecem, tresandam ao longe... As boas pessoas, quando descambam, ficam insuportáveis...

Um admirador