BEIRE

Já tardava “aquela” salva de palmas…

1. Comungar também é CELEBRAR a vida... Quem ouve e/ou lê Pai Américo naquele seu jeito de dizer-se, logo cai na cota de que... Nele há coisas que, de tão originais, têm um sabor sempre novo. Um sabor evangélico. É o caso da palavra comungar. Usa-a quando, por exemplo, levado por mãos amigas, vai aos microfones da Emissora de Lisboa, da Rádio Clube de Luanda, da Rádio Clube de Moçambique. Vai para "falar com devoção aos portugueses espalhados pelo mundo inteiro". Vai, levado pelo desejo vivo de difundir Palavras de Vida Eterna. (...) Vai "para falar; melhor diria, para me comunicar; muito melhor ainda, para comungar. Comungar almas, para as incorporar em Cristo".

No jornal O Gaiato, aproveita muitas vezes o seu Cantinho dos Rapazes para, com eles, abrir neles novos horizontes de ser. Porque "deviam tomar a sério um certo número de coisas... Por exemplo a comunhão! Para mim, pedirei a Deus que me leve à Comunhão Eterna, no dia em que tiver de ficar sem comunhão".

Destaquemos: Comunhão Eterna. Difundir palavras de vida eterna. Comungar almas, para as incorporar em Cristo. Estudando bem esta "linguagem eclesiástica", própria do seu tempo, na boca e/ou na pena de Pai Américo, sempre quer dizer coisas muito concretas. Coisas muito humanas, mas de apurado sabor divino - que é assim que ele chama àquilo que promove os homens à sua d'IGNIdade de "filhos de Deus1" . Sempre quer dizer coisas muito concretas como irmanar-se com os oprimidos, para os aliviar, de toda e qualquer opressão; irmanar-se com os prostrados, para os levantar e, a seu lado, os ajudar a tomar consciência de que, também eles, são nascidos para viver de pé. Ao lado de... Nunca por cima de... Ou por baixo de...

2. Uma festa de Primeira Comunhão faz bem à alma... Gosto de entender o "fazer bem à alma" como um gostoso saborear dos frutos do crescimento integral de cada um. Coisas que têm a ver com o sentir-se aceite, sentir-se reconhecido, sentir-se querido e bem-amado. Com uma calorosa salva de palmas. Porque todo o gesto de amor (palavras, actos e omissões...) funciona como uma linguagem universal que todos entendem. Crianças e/ou deficientes. Todos entendem se os amamos de verdade. Porque, também neles, a alma é sempre perfeita.

Ser Padre da Rua é partilhar a preferência pelos últimos e buscar essa extraordinária luz que fez Pai Américo descobrir, no Pobre abandonado, o rosto de Deus que a todos interpela. P.e Fernando, sobre quem agora recai a incumbência de levar por diante O Nosso Calvário (ver O Gaiato, n.º 1964), na sua ânsia de fiel aprendiz de seguidor de Pai Américo, quer também saber dar-se a todos os homens. A começar por estes, os filhos que Deus nos mandou, com estas deficiências todas. Algumas bem marcantes, que os impedem daquele mínimo de autonomia para se bastarem a si mesmos. Até no comer.

Veio pela mão de P.e Telmo. Também ele tocado por alguma extraordinária luz para ver os anjos nestes rapazes e nestes doentes, que não têm pecados... Partilha a convicção de que eles podiam muito bem comungar todos os dias.

Assim nasceu a ideia de proporcionar àqueles nossos rapazes que nunca comungaram uma festinha de Primeira Comunhão. Desde o Varito que já conta 64 anos, até ao Paulo Sérgio que já bateu os 45; o Carlitos, obcecado pela tarefa de apanhar o lixo para levar ao contentor até ao Sérgio Manuel (Carocha!) e Zé António (o angélico e contagiante Sem Nome) que, por tudo e por nada, ri a bandeiras despregadas. Com sua candura enternece a todos que trazem no peito um coração capaz de ver mais longe que os olhos...

Escolhemos o Domingo entre a Solenidade do Corpo de Deus e a sua oitava - 23-06-19. O Luís encarregou-se da possível preparação doutrinal e dos adereços litúrgicos e cerimónias próprias desta festa. D. Lúcia e sua equipa desembrulharam-se na logística necessária - arranjo da Capela e flores para o "tapete" por onde passasse a Procissão. Também um "porto-de-honra" para depois da Celebração Eucarística. Tudo como Deus manda. P.e Fernando, P.e Telmo, Luís e as nossas vizinhas Irmãs Franciscanas, tomaram a seu cargo a parte da igreja, de que a Eucaristia e o canto são parte indispensável.

3. Isto não se vê assim em sítio nenhum... Era já o depois de jantar. Todos tinham saído da mesa. Parecia que a festa já tinha acabado. Por ali, andavam só os refeitoreiros de serviço. Na mesa dos senhores padres (...), estava ainda o P.e Telmo, o sr. Melo e eu, a quem o Nána sempre pergunta se vai querer um chazinho... Ao lado, a chaleira mostrava a luz acesa do aquecer a água. Nána mostra hortelã ainda verde, limonete, cidreira, ginkgo biloba, moringa, ... - Qual
querem ?!...

Como acontece muitas vezes, chega o Zé e senta-se no lugar de P.e Fernando; Nandinho, chega com três chávenas na mão e senta-se ao lado de P.e Telmo, frente ao sr. Melo. Sérgio Manuel aparece, a discursar não sei o quê, e senta-se na outra ponta da mesa - mesmo em frente ao Zé.

A chaleira grande é posta na mesa. O cheirinho da hortelã invade o ambiente. Que agradável! A mesa já está cheia e, em pé, à nossa volta, anda o Nána, o Pomba, o Paulo Sérgio. A ver se cai uma bolachita como um miminho antes de dormir...

- O sr. Melo também quer um chazinho?!... - Pode ser. Já agora!... Nána poisa, diante de mim, um pacote de bolacha-maria. Abro e vou dando duas a cada um. - D. Lúcia não vai ralhar; estas não têm açúcar. Os diabetes aguentam bem...

Sr. Melo, extasiado, saboreia o chá, contempla aquele ambiente e dispara: - Isto assim não se vê em sítio nenhum, em casas do género!... Lembro Pai Américo: Se nos deixássemos levar pela moda, cairíamos na vulgaridade das obras semelhantes... E penso nos riscos que corremos, se caímos na fraqueza de vender a alma ao diabo!

1 - A expressão "filho de Deus" que, nos evangelhos é muitas vezes substituída pela expressão "filho do Homem", toma novas dimensões quando vista à luz da "teologia de Jesus de Nazaré". É uma forma bíblica de apelar à Transcendência que nos habita. Porque todos somos nascidos para voar como as águias... Por isso não se nos perdoa que passemos a vida a rastejar como aves de capoeira...

Um admirador