BEIRE

Chocolates "para a alma"...

1 - Flashs do nosso quotidiano. Com aquelas variáveis que cada situação sempre arrasta consigo, a cena também se repete muitas vezes por aqui. Como, aliás, por todo o lado. Delicio-me a ruminá-la. Na alegria e na dor que sempre traz consigo. E vou tentando abrir-me à Luz para com+TEMPL+ar e aprender. Para saber com+viver nesta realidade que é a nossa. No agridoce mistério que nos habita. O trigo e o joio estão condenados a viver juntos. Não se vá arrancar o trigo ao querermos ser mais papistas que o Papa... (Mt 13, 24-30). Tudo isto, como indivíduos e como grupo. Como comunidade, a que sempre estamos ligados.

As clássicas ocasiões de festa, Natal e Páscoa mai-las festas das paróquias vizinhas, prestam-se, sobremaneira, a isto. Porque todos somos seres de ajuda. Todos nascemos revestidos pela Bondade de Deus Criador, de quem somos, por vocação, imagem e semelhança. Mal se nos oferece uma ocasião, lá vamos nós a querer ajudar. Mesmo sabendo de cor e salteado que muito ajuda quem não estorva... Num processo que tem muito de inconsciente colectivo. Ora, "o que não se torna consciente vira destino"...

As coisas passam-se assim. Chegam vizinhos e amigos. Aparecem leitores d'O Gaiato que gostam de passar por cá de vez em quando. Chegam voluntários e/ou assalariados da Casa. Porque é Natal... Porque é Páscoa... Porque fui à Festa de... ou de... ou de... Lá vêm só umas amendoazitas... ou só um chocolatinho... umas farturitas... umas bolachinhas... E a clássica explicação: — (...) É para darem aos rapazes; para dar um mimito aos doentinhos. Ou ainda: Para os senhores padres que tanto se dedicam a esta Obra maravilhosa. Conforme o grau de familiaridade com a Casa, ou dão directamente aquele miminho ou, se apanham o senhor P.e Telmo pelo caminho, entregam para os seus meninos... Acontece que, se a coisa não passa despercebida, há sempre alguém que lá vem com o sermão de que isso não pode ser, porque depois nós é que os aturamos. Eles não têm necessidade de nada. São diabéticos e qualquer abuso no açúcar..., etc., etc., etc.. Se entro na cena, também apanho por tabela: Não pode deixar fazer isso. O senhor P.e Telmo é bom demais. O que ele quer é ver as pessoas contentes. Mas o bem tem de ser bem feito. Se ouve o discurso, P.e Telmo sorri e diz que foi só um bocadinho... E até arranja um argumento válido: — Eu disse-lhes e eles gostam mesmo de repartir pelos colegas...

2 - Uma cenazinha que me questiona... Era dia de festa. O casal resolveu ir comer fora com os filhos. Tudo a postos, já no restaurante, o Pedrito, de seis anos, pergunta se pode rezar. Ouvido o sim desejado, começa: — Senhor, como és bom e poderoso! Obrigado pelos alimentos que vamos tomar. Mas eu ficaria ainda mais agradecido se o papá nos desse um gelado para a sobremesa. Amén.

Todos riram, contagiando os clientes que estavam por perto. Mas uma beata, que também ouviu aquilo, não pôde esconder a sua indignação: — Isto vai de mal a pior; quem é que se lembra de pedir um gelado a Deus?! Nunca na minha vida ouvi tal disparate...

Ao ouvir aquele sermão, Pedrito começou a chorar e perguntou: — Eu fiz mal, papá? Deus está zangado comigo? — Claro que o pai, serenamente, respondeu que fez muito bem e que Deus até gostou muito daquela oração. Um senhor já de certa idade, aproximou-se, deu uma piscadela de olho ao pequenito e disse-lhe: — Eu sei que Deus achou que fizeste uma oração muito bonita.

— A sério?! —, perguntou o menino. — É mais que evidente!... — E, inclinando-se para ele, sussurrou: - Sabes, o mal é que ela nunca pediu um gelado a Deus. Mas, às vezes, um geladinho faz muito bem à alma...

Como era de esperar, para sobremesa, o pai mandou vir gelados para os miúdos. O Pedrito, por uns momentinhos, ficou parado, a olhar para o seu gelado. Nisto, levanta-se, pega no gelado e, sem dizer nada a ninguém, vai junto da senhora que vociferara, põe-lhe o gelado na frente e, com o mais bonito dos sorrisos, diz-lhe: — Tome, é para si. O gelado faz bem à alma. E a minha já está satisfeita.

3 - Estar de pé como um Cavaleiro da Luz... Encantam-me certas bulhinhas de sacristia. São como as chuvas de trovoada — passam e não deixam nada. O pior é quando as posições se extremam. Depois do fogo ateado, em ambiente de fácil combustão... Aí, é preciso ir até ao Senhor da Messe e ouvir a Sua decisão — deixai-os crescer juntos, não vá acontecer que... Foi assim no caso de só umas farturitas para os rapazes. Eles são sempre tão delicados connosco! Era a festa de N.a S.ra de... A senhora passou por lá e lembrou-se de trazer um mimito para os rapazes. Chega e começa a dar. É apanhada com a boca na botija... Proibição absoluta. — Deixe aí para a sobremesa do jantar. Mas, entretanto, uns ratitos mais atrevidos sacam cada um a sua farturita. Ainda no rescaldo, também foram apanhados. — Pronto. Vai tudo para o lixo e assim já não há mais chatices!... Chega a hora de jantar. A sobremesa já não estava sobre a mesa... Estava no caixote do lixo. Mais umas boquitas. Mais ameaças de nunca mais trago nada, etc., etc..

Paro-me a ruminar estas cenas. E penso naquela da teologia hinduísta — A precisão é a virtude divina por excelência. Sei que o nosso equilíbrio — de humanos que somos — não tem essa precisão... É um vai-vem, em busca de... Como na matemática — ou se peca por defeito ou se peca por excesso. Sempre a descambar um pouquito para a esquerda ou um pouquito para a direita.

E fico a pensar que um pouquito de tolerância nem sempre fará assim tão mal aos diabetes e sempre faz muito bem à alma.

Um admirador