BEIRE
Os ricos da miopia mental…
Hoje o Diamantino estava mesmo bravo... Porque, ainda à distância, já lhe ouvia a sua indignação, preparei-me com tempo. Meti travão às quatro rodas... Para mostrar-me-lhe o meu querer aprender a estar-com ele. Mesmo quando ele está assim indignado com a sua sorte. Não posso esquecer que também as pessoas com deficiência têm direito à sua indignação. Que cada um mostra do jeito que sabe e pode...
Cheguei-me para perto dele. Mas com a distância suficiente para não apanhar nenhum dos murros dele e/ou ser apanhado por aquela mão que, nestas alturas, vira garra perigosa que leva tudo por diante. Porque sei que o Diamantino já tomara o seu comprimidozinho para ajudar a gerir aquela indignação toda, sem lhe roubar nada daquela humanidade que, mesmo limitada, ainda lhe é muito peculiar, fiquei ali. A olhá-lo com amor. E a repetir-lhe, baixinho, com toda a suavidade de que sou capaz — a mãe já vem; ela está ali a limpar o chão e já vem levar-te para a cama. E sorria para ele: — Até morrer, Diamantino; cama até morrer !...
Foi-se acalmando. O tom de voz dele já é mais moderado, mas ainda firme. Porque já não tem nem murros nem garra, eu avanço e afago-lhe o ombro que me fica mais próximo. O crispado do rosto abranda e logo se adivinha um sorriso. Afago-lhe o rosto e falo-lhe do banho e da barba feita pelo Sr. Pacheco. Ele sorri e estende-me a mão. Digo-lhe que vou chamar a mãe e retiro-me, porque naquela casa voltou a paz, como dantes...
Diamantino, ao pequeno almoço, toma o seu comprimido. Só aquela dose que não desumaniza. Nem, muito menos, robotiza. Porque acreditamos que, dar-lhe mais do que isso, é um crime de lesa humanidade. E mais: Porque estudei que quem lida com este tipo de pessoas precisa de, periodicamente, rever o seu conceito de pessoa e de ajuda... É que de boas intenções está o inferno cheio. E a sociedade cheia de infernos bem duros de roer... Fruto das nossas miopias mentais que não deixam ver para além do próprio umbigo.
Os nossos doentes, cada um segundo a receita do seu médico, tomam o seu comprimido. Mas ai de nós se não tomamos também a nossa dose de treino diário para Saber Ser/Estar-Com este tipo de pessoas. Podemos cair naquilo que vos contei, aquando do assalto da nossa (in)Segurança Social: - Tragam-me um comprimido para acalmar este doente... (Ver O GAIATO, 1949, de 24-11-18).
Depois, noutra altura, hei-de contar-vos uma curiosa história de um caçador de baleias... Porque também esses gigantes do mar são sensíveis aos eflúvios do nosso comportamento, na relação com eles. A vida é UNA. Diversa, mas una e rica de subjectividade. Crime é que teimemos em dividi-la, esquartejá-la... Uns para Aveiro, outros para Fiães, outros para Gaia; outros para o Porto. Dói tanto! Ver / ouvir / sofrer o quero a mãe, do nosso Diamantino.
Um admirador