BEIRE

Um flash do muito delicado

O Diamantino quer "a mãe"... Apetece-me gritar ao mundo os meus direitos à indignação. - Isto não se faz nem ao último bichinho do mato! É o que diria minha mãe, naquela sua linguagem de mulher do campo. Porque, naquele tempo, até os analfabetos transpiravam intuições de fraternidade, cordialidade, de alguma civilidade. E sempre punham à frente os velhinhos, os doentes, as crianças e os tolinhos. Ou, como se dizia lá no meio em que aprendi a minha língua materna, os inorminhos, porque coitadinhos, não sabem o que fazem. Hoje é tudo muito culto. Numa de cão sábio. Ele é o único que percebe de céu... Na nossa modernidade, até gostamos de substituir a obsoleta palavra Caridade pela actualizadíssima palavra solidariedade...

Andamos todos muito bem informados. Informatizados... - Nós estamos aqui para cumprir ordens. E pronto. Isso lhes basta. O que é preciso é mostrar serviço. Quanto mais rápido melhor. Não importa os direitos de cidadania, de fraternidade. Muito menos importa a Lei e os Profetas... Isso já é careta... Quem é que hoje ainda sabe que Jesus (o escorraçado de Nazaré!...), corrigiu a velha fórmula do não faças ao outro aquilo que não gostarias que te fizessem a ti? Corrigiu, ousando dizer ao mundo de todos aqueles que, com linguagens diferentes, ainda hoje se preocupam com o Bem Comum da Humanidade (the Common Good of Humanity): "Nisto se resume toda a Lei e os Profetas - FAZ aos outros aquilo que gostarias que eles te fizessem a ti"?! (Mt 22, 40). Quem ainda se lembra disto e segue em frente como Deus manda?!... Sinto-me um reles aprendiz da Lei e dos Profetas, mas cada vez me sinto mais encantado nesta minha teimosa aprendizagem...

Gostava que conhecessem o nosso Diamantino. Hoje mesmo completa 52 anos. É nosso vai já para 15 anos. Trabalhava na construção civil. Caiu de um andaime. Teve traumatismo craniano. Foi operado três vezes. Ficou hemiplégico. E (...) remeto-vos para o belíssimo retrato que dele fez Padre Baptista (in O Calvário - 3, pg 27). Detenho-me neste paragrafo: "Nós aceitámo-lo, porque aqueles que ninguém quer são os nossos preferidos". E mais: "O tribunal do trabalho não tem pressa em resolver a situação deste rapaz e vai andando... lentamente. Pressa tivemos nós em o receber e dar um leito. (...). Eles vêm todos de mãos vazias. Mas no encalço logo aparecem os amigos.

- Tome. É para os seus doentes.

Quando escolhemos a melhor parte - amar o próximo - o Senhor encarrega-se do resto e toca de mansinho no coração dos homens".

*** Quase todos os dias, de manhã cedo, paro ao lado do Diamantino, na sua cadeirinha de rodas. Mesmo em frente à cama para onde sempre quer ir até morrer... Antes daquele rapto, quem mais o acompanhava a dar-lhe de comer, cuidar da higiene diária, as vezes que fosse preciso, era a Julieta. Uma doente que se tem curado em muito pelo gosto de sentir-se útil. Neste e outros serviços que consegue fazer para bem de todos. Melhorou já tanto que até me apetece brincar - Ai, Julieta, quem TV e quem TViu!... Deus louvado.

Diamantino chamava-lhe a mãe. Agora, sente a falta. Ao ver-me, sorri. Olha-me bem nos olhos. Naquele sorriso bonito que lhe emoldura o rosto, com a mão ainda saudável, aconchega o braço paralisado. Volta a olhar-me e, a sorrir, estende-me a mão. E sempre dispara: - Chama a mãe. Quero ir... até morrer. E aponta a cama onde ela o aconchegava.

Penso na dita solidariedade da nossa (in)Segurança Social. E lembro aquela de Pai Américo: - Sem a caridade, é nada! Nada! Éne, Á, Dê, Á!!!

Um admirador