BEIRE
— Flashs do nosso quotidiano
1. Ó Senhor/a, eu vou fazer anos!... Penso que, aqui em Casa, são poucos os que têm alguma noção do que é fazer anos. Não sabem nem idade nem data de nascimento. Ainda que todos gostem muito de se sentir alvo de uma atenção especial. Numa festa em sua honra. Mesmo sem saber dizê-lo, em termos de noção do tempo, também estes rapazes e estes doentes sabem que o amor ultrapassa o tempo. Porque o amor é eterno, mesmo que só enquanto dura, no poético dizer de Vinicius de Moraes. Vê-se que, a seu modo, todos gostam de vivenciar tais experiências em que a pessoa sente a eternidade no tempo. Porque esta nossa gente, quando se sente o centro das nossas atenções, tudo neles vibra num clímax de alegria tal que abule todo o tempo. Isso de que, no revelar da psicologia, todos necessitamos experimentar, ao menos de vez em quando, para nos mantermos num mínimo de equilíbrio social e psicológico... É a nossa necessidade de emoções fortes, para nos sentirmos bem vivos. (Lembro a sabedoria de Pai Américo quando, com escândalo de muitos, comprava um bolinho para algum miúdo que lho pedia e pagava com o dinheiro que lhe davam para dar de comer aos pobrezinhos. "A boca dos pobres, escreveu, é igual à boca dos ricos. Por isso, de vez em quando, também os pobres têm necessidade de alguma coisa de supérfluo").
O nosso Tirapicos, que gosta de dizer eu sou o Paulo Sérgio, sabe que fazer anos é ter direito a um prato de comida mais compostinho; ter um bolo com velinhas e tudo, uma prenda (um chocolatito, informa ele...) e, sobretudo, um parabéns a você, cantado por todos. Reparo que, em ocasiões de maior fragilidade, ronda-me muitas vezes: - X'Abel, eu quero fazer-lhe uma pergunta: Quando é que eu faço anos. Isto repete-se dezenas e dezenas de vezes ao longo do ano.... Na sequência do que lhe respondo, lá se vai com um está bem na boca, logo seguido de obrigado. De seguida, volta atrás: - Em que dia é que calha? Se eu não sei e digo que preciso ir ao escritório ver a ficha dele e o calendário, já não me larga mais. Quer ir comigo e, ali diante de mim, meter literalmente o nariz em cima do papel, como que a ver se é verdade... (Tirapicos gosta muito da escola: - a sra. Professora é minha amiga... - mas, nos seus 43 anos, ainda não conseguiu ler uma letra do tamanho de um comboio).
Entretanto, enquanto está naquela onda dos anos, se chega alguém que não seja do nosso quotidiano, Tirapicos vai a correr, estende a mão para cumprimentar, e dispara: - Ó senhor/a, eu vou fazer anos. Podia levar-me à Vila da Feira, porque é a minha terra?!... Há dias, já perto do 26 de Outubro, dia do seu aniversário, depois de almoço, levanta-se do lugar, vai para a minha beira, debruça-se sobre a mesa, quase mete o nariz no meu prato, e dispara: - É hoje que eu faço anos? Ao ouvir um não, ainda faltam xis dias, visivelmente mal humorado, retoma: - Poça, já não percebo nada. Ainda vai chegar o Natal e eu sem fazer anos...
2. Uma homenagem a P.e Baptista. Foi a propósito dos 131 anos do nascer de Pai Américo e do lançamento / apresentação do seu novo livro O Calvário (Páginas Escolhidas e Documentário Fotográfico). Os amigos e a família lá conseguiram arrancá-lo ao seu silêncio de eremita, num cantinho de Arganil, na Pampilhosa da Serra. Trouxeram-no até à U. Católica onde a cerimónia decorreu. De tudo o que ali aconteceu de bonito, registei com particular agrado três momento:
a) A calorosa e prolongada salva de palmas, com que foi recebido o seu levantar-se, em momento próprio, para se dirigir à mesa. Toda a gente se levantou, num gesto de reverência ao ancião que, nos seus 88 anos, pausadamente, descia o Auditório Carvalho Guerra, para subir à mesa da presidência. O mesmo gesto foi repetido no final da sua suculenta intervenção;
b) A intervenção do Prof. Doutor Walter Osswald. Fez-me lembrar um rasgo da nossa "teologia do Deus de Jesus". Tentando que a minha memória octogenária não traia demasiado o douto orador, guardo que "a verdadeira homenagem a P.e Baptista não é o livro, não é uma sessão como esta, não são as louvaminhas de circunstância. A verdadeira homenagem a P.e Baptista é o "seguimento" da obra de P.e Baptista. É o prolongar no tempo esta obra ímpar, vislumbrada por Pai Américo e encarnada por ele - desde a arquitectura até ao reeducar e cuidar dos doentes e rapazes marcados pela deficiência. Num jeito de tal modo original que ainda poucos conhecem bem esta Obra e a entendem como ela merece. Obrigado, Sr. Professor. Realmente, "não é o que diz Senhor, Senhor... mas o que põe em prática..." (Mt 7:21, 24-27).
c) A intervenção do Sr. Bispo do Porto. Que arte aquela de pôr o dedo na ferida! Com toda a delicadeza e seriedade que o assunto merece. O elogio que fez aos Padres da Rua, nomeando cada um pelo seu nome, a rematar: É o melhor que temos na Diocese... E o desafio que a todos faz - Padres e Colaboradores desta Obra da Rua: PRO+seguir na fidelidade ao Espírito de Pai Américo, em consonância com as conquistas das Ciências Sociais, Ciências da Saúde e sempre atentos aos sinais de cada época.
Que bonito e que oportuno programa. Como aprendiz de ser pensante, registei que o espírito de cada pensador está como que enterrado / morto na palavra escrita que nos legou. Ao leitor de cada época compete RE+suscitar e Encarnar esse mesmo espírito, hoje, no aqui e agora de cada circunstância.
Dura, difícil, mas nobre missão esta de RE+suscitar Pai Américo (e, porque não dizê-lo, também P.e Baptista...) nos dias de hoje em que os novos letrados e os novos fariseus não param de espiar tudo na mira de tudo manter bem enterrado... (Mt 22, 15-21).
Um admirador