BEIRE
O dever de aprender a parar...
— DESCANSAR DE... POR AMOR DE... Gosto daquele princípio da psicologia das relações interpessoais: Por amor das pessoas, às vezes, é preciso descansar delas. Do meu saber de experiências feito, vejo isto como uma medida de aceitação e respeito pela nossa natureza em suas limitações. E isto anda tantas vezes esquecido. Particularmente por aqueles/as que, inconscientemente, vão ficando escravizados por uma estranha adição que dá pelo nome de tirania da ajuda... Tanto querem ajudar que nem se dão conta que só estorvam. Por isso é que a sabedoria do povo gosta de alertar que muito ajuda quem não estorva.
Precisei de estar fora a passar de vinte dias. Porque não posso esquecer esta verdade que a minha filha está sempre a repetir-me: Gostamos muito que tenhas assim todos esses teus novos 'filhos adoptados', mas não esqueças que nós estamos primeiro... Foram umas férias com a família - filhos, netos, genros e noras. Vim revigorado na alegria de PRO+seguir este caminho de tentar minorar a falta que nos faz o P.e Baptista. Deixei-me sentir toda a festa que me fizeram ao ver-me chegar. Sei que pode haver laivos de egoísmo neste sentir-me querido, mas também ISTO me faz sentir mais perto de tantos destes irmãos que sofrem. Em muitos deles é palpável a sequela dessa dolorosa ferida de não existência que os consome. Ferida de não existência de uma resposta atempada e capaz para o primeiro direito de todo o ser humano - o direito de ser querido. São muitos os que aqui sofrem dessa ferida incurável. Nunca se sentiram queridos por ninguém. Por isso nunca aprenderam a querer ninguém. E a dor que, ainda hoje, os consome impede-os até de sentir o nosso querer-lhes tanto. Olho-os. Sinto as minhas entranhas remexerem-se. Dou graças. Nós nem sabemos bem a bênção que é poder sentir-se querido!
EM MEMÓRIA D'As NOSSAs MARGARIDAs. À medida que as horas passam, procuro inteirar-me das ocorrências mais significativas, durante a minha ausência. Como é próprio das grandes searas, deparo-me com muito bom trigo e também com muito joio que já cá temos de sobra para ameaçar a qualidade da colheita. É do Evangelho que não é prudente querer eliminar todo o joio demasiado cedo. Sempre precisamos de atender àquele sinite crescere (deixai crescer!...) recomendado por Jesus em Mt 13, 24-30. Não vá acontecer que o perfeccionismo dos operários abafe a cautelar sabedoria do patrão...
Porque, em meu entender, é para aí que sempre devo dirigir o meu olhar, fixei os meus olhos do coração no bom trigo. Sem deixar de ter em consideração o joio que sempre se lhe apega. Nesse trabalho de análise e tomada de consciência da realidade em questão, deparei-me com dois textos que, volta e meia, gosto de ruminar. Um é do P.e Baptista e chama-se Margarida. Foi publicado aquando da morte da última das santas mulheres da Escritura que se dedicaram aqui ao Calvário. Como o lado do divino feminino da Obra da Rua. Sempre imprescindível numa Obra desta natureza e com uma dimensão destas. Desde a primeira hora, Pai Américo, logo seguido aqui por P.e Baptista, souberam reconhecê-lo e dar-lhe toda a importância que ISSO tem em todo o longo e sempre doloroso processo de humanização. Que é o que Deus manda. Isto é, nós acreditamos que humanizar é cuidar do Bem Estar Integral de todos aqueles que, por nascimento, estão talhados para tornar-se Filhos de Deus - na construção da Paz (Mt 5, 9).
— ... OS FILHOS QUE DEUS NOS MANDOU. Pego no texto de P.e Baptista. Um texto pequeno cuja mensagem é grande demais para caber numa página de jornal. Reproduzo-vo-lo aqui, quase na íntegra. Quem quiser pode procurá-lo no 3º volume d'O Calvário, pág 237. Porque o espaço é curto e o gosto dos leitores também pende para textos curtos, o outro texto - a história de Um Anel de Noivado - fica para a pf edição d'O Famoso. São testemunhos de que, se estivermos atentos, ainda podemos ir encontrando algumas santas mulheres da Escritura. Dessas que, fiéis ao anúncio daquele tempo andam a aprender a ser resposta. Porque foram elas (e eles também) que aguentaram de cara alegre e força de alma as tempestades que parecem tecidas para engolir a barca. Sei que a nossa Capela / Espigueiro viu lágrimas a correr e até, como naquele tempo, ouviu ralhar com o Mestre... Ele que, às vezes, parece esquecido da nossa pouca fé e Se deixa adormecer na barca (Mt 8, 24). Mas, então, vamos ao texto de P.e Baptista:
«Há quarenta e sete anos, dei à estampa n'O Gaiato este pequeno anúncio: 'Oferece-se oportunidade de alguém perder a vida ao serviço dos doentes no Calvário'.
A Margarida apareceu logo, disposta a perder a vida junto dos doentes e dos rapazes com dificuldades intelectuais que aqui temos.
Perguntava, então, se a aceitávamos. Parecia julgar-se indigna deste serviço.
Todos os que a conheceram dão testemunho da sua longa e total entrega a esta causa. Ela tinha todos os predicados das santas mulheres da Escritura. Era pobre, humilde, generosa e atenta. Soube viver estes anos todos com a alegria da primeira hora. Quando alguém era traquina ou indisciplinado, respondia com um sorriso:
- Então, estes são os filhos que Deus nos mandou».
Um admirador